Aguarde por gentileza.
Isso pode levar alguns minutos...

 

A lógica da tolerância com o racismo

Enviado por Gilberto Godoy
a-logica-da-tolerancia-com-o-racismo


      Wedencley Alves

     Era uma vez um país que acreditava viver uma imensa democracia racial. Afinal, saídos da senzala, negros eram bem tolerados na cozinha, na copa, e até na sala de estar, quando os patrões não tratavam de assuntos mais sérios.
 
     A primeira fase começou a ser ultrapassada a partir dos anos 60, quando este país começou a receber influxos de movimentos civis de um irmão mais ao norte.
 
     Depois esta quase-nação, ao sul do Equador, começou a desconfiar que aquela democracia não era tanta assim.
 
     Finalmente, admitiu, meio a contragosto, que entre a cozinha e a sala, havia um corredor imenso, longo de tristezas, humilhações e sofrimentos.
 
     Imediatamente, sem poder negar que havia o racismo, passou-se a uma outra esfera de defesa do status quo: a progressão do negro à sala deveria ser dada aos poucos, sem rupturas, sem tons mais altos, assim, diria, numa espécie de abertura lenta, gradual e segura.
 
     Isso tudo porque este país, de uma hora para outra, progredia na consciência do seu próprio racismo cordial.
 
     Anos 70 eram eles; e 80; e mais um pouco...

     Quando as vozes contra a hipocrisia racial ganham as ruas e as redes, nos anos 90, imediatamente, passamos à terceira fase da reação: o reconhecimento do racismo, dos seus males, e sua  incriminação, com uma estranha condição.
 
     E assim, naquele país, tão lento em se reconhecer, que já tem a corrupção sem corruptor, inventou o racismo sem racista.
 
     Inimputabilidade geral e irrestrita
 
     Uma jovem se dirige ao twitter e proclama: "Faça bem a SP, mate um nordestino por dia!". O caso provoca furor em alguns setores.
 
     Mas imediatamente surgem as vozes do racismo sem racistas: "É apenas uma menina, sem juízo, e sem culpa".
 
     Uma torcida agride verbalmente de forma grave um atleta de vôlei. No dia seguinte, "Não se pode confundir manifestações de torcida e racismo".
 
     Um mulher de idade usa palavras extremamente humilhantes contra um pedinte: "É apenas uma senhora".
 
     Um professor de uma Universidade do Planalto Central agride verbalmente o aluno: "É só um destemperado, um grosseiro".
 
     Se esses mesmos personagens, que usaram e abusaram do direito de injuriar e discriminar, tivessem cometido qualquer outro crime, um roubo, uma sonegação de impostos, um homicídio, deveriam todos ser conduzidos à delegacia, autuados em flagrante (sim, foram flagrantes) e passariam à condição de investigados, quem sabe, processados, com todo o direito à defesa que uma democracia lhes garante.
 
     O que acontecerá depois daí é obra para a lei.
 
     Mas a detenção de racistas, o processo contra eles, é como algemar banqueiros: sempre causa alguma indignação.
 
     Resta que fique bem claro se queremos ou não tipificar o racismo como crime. Porque, no fundo, é esta a discussão que, na fase terceira, ainda está em jogo e que, pelo jeito, só será resolvida numa quarta fase.
 
     Pelo simples fato de que, assim como não existe país sem nome, não há crime sem autor.

Comentários

Comente aqui este post!
Clique aqui!

 

Também recomendo

  •    Ao longo de toda a existência, o homem sempre buscou formas de perpetuar o seu conhecimento e transmiti-lo a gerações futuras. O que seria da história ou do conhecimento se os episódios e vicissitudes da humanidade não estivessem escritos e armazenados em algum lugar? Simplesmente seriam fatos que...   (continua)


  •    Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar "o perigo de uma história única". Eu cresci num campus universitário no leste da Nigéria. Minha mãe diz que eu comecei a ler com dois anos, mas eu acho que quatro é provavelmente mais próximo da verdade. Então...   (continua)


  •    O crash da bolsa em 1929, que resultou na Grande Depressão, tornou-se o maior desastre econômico no mundo industrial. Em 1931, as ações valiam apenas 20% do valor nominal de 1929, a produção industrial caiu pela metade, um em cada quatro estava desempregado. Em 1935, metade dos bancos...   (continua)


  •    Ex libris é uma expressão latina que significa literalmente "dos livros", empregada para determinar a propriedade de um livro. Portanto, ex libris é um complemento circunstancial de origem (ex + caso ablativo) que indica que tal livro é "propriedade de" ou "da biblioteca de". A inscrição pode estar...   (continua)


  •    A paixão dos portenhos pela leitura é grande e Jorge Luis Borges, teve um papel mais que especial nesse hábito tão saudável e até um pouco "invejado" por outros países. Segundo dados da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, são mais de 3200 livrarias.    (continua)


  •    Arch West, criador do famoso Doritos, faleceu aos 97 anos no final do mês de setembro passado e durante seu enterro, seus entes queridos fizeram um estranho ritual espalhando o conhecido salgadinho, que o tornou famoso e milionário, sobre seu caixão. Mas este não é o único caso curioso em que...   (continua)


  •    Da Agência USP de Notícias
      As manifestações sutis de discriminação racial estão cada vez mais presentes no dia-a-dia da sociedade brasileira. Segundo a psicóloga Sylvia Nunes, que pesquisou sobre o preconceito sutil no Instituto de Psicologia da USP, as pessoas ainda...   (continua)


  •    Para quem gosta de Museus este é um prato cheio. Talvez o site mais completo da net. Vale a pena fazer uma visita virtual. Muselia é um diretório global de museus. Lá você encontra 8000 museus e pode ver seus sites oficiais, horários de visitação e...   (continua)


Copyright 2011-2024
Todos os direitos reservados

Até o momento,  1 visitas.
Desenvolvimento: Criação de Sites em Brasília