Barcelona 2011: o melhor time de futebol da história
Como um planejamento estratégico pode ajudar a implementação de uma prática de sucesso? Seja num empreendimento esportivo, político, social, empresarial ou pessoal, a capacidade de produzir resultados esperados tem relação estreita com a forma de "saber pensar" a estrutura das práticas efetivas do que quer que seja. O exemplo do Futebol Clube Barcelona é uma lição do sucesso do planejamento estratégico aplicado ao esporte. O texto abaixo demonstra isto. Recomendo.
por Gregório de Mattos via Blog do Renê
A verdadeira beleza da metodologia do Mapa Estratégico é a sua capacidade de traduzir e, muitas vezes, elucidar a estratégia da organização, independente do seu mercado de atuação. Dos mais distintos setores da atuação empreendedora, a ferramenta do Mapa Estratégico se apresenta como um poderoso recurso de endereçamento da estratégia. Quando a liderança da organização, através da correta comunicação e clareza dos seus atos, descreve de forma clara a estratégia para os colaboradores, os desdobramentos resultantes desenvolvem-se de forma natural, quase orgânica, com a agenda da empresa.
Na figura do final do texto apresento o Mapa estratégico do F.C. Barcelona, equipe de futebol vencedora e admirada, que nas últimas décadas transformou-se em verdadeira referência de futebol arte, através de times que privilegiam o jogo envolvente, de toque de bola e com uma natural vocação para o espetáculo.
Além de sua importância no cenário futebolístico, o Barcelona é também a mais clara manifestação de orgulho cultural da Catalunha, região do nordeste espanhol que acumula tensões políticas históricas com o estado central (Castelhano e Monárquico) em busca de uma maior autonomia política e cultural. Esta situação agravou-se ainda mais após a revolução Espanhola (1936-1939), período trágico da história do país, onde a cidade, que abertamente defendeu a causa legalista e republicana, foi sumariamente oprimida pelo Franquismo durante as décadas seguintes. O Ressurgimento da cidade e do orgulho de seus cidadãos só seria plenamente restaurado nos jogos Olímpicos de 1992. O Catalão, língua oficial da região, chegou a ser proibido nas escolas e ofícios públicos, numa clara tentativa de sufocar as aspirações políticas locais através do cerceamento de suas manifestações culturais mais elementares.
Essas cicatrizes ainda persistem, e o F.C. Barcelona canaliza, ao menos em parte, o orgulho e as aspirações catalãs. Obviamente, o seu grande rival é o Real Madri, outro gigante do futebol mundial, que representa de certa maneira a Espanha “Oficial”, a cultura dominante castelhana e sua clara referência à Monarquia, que se choca com uma cidade que se orgulha de suas posições separatistas e republicanas. Esta contextualização histórica é importante para entendermos o peso que o F.C. Barcelona tem para os seus torcedores. De fato, não se trata apenas de um clube. É também, uma bandeira que expressa orgulho cívico e protesto político.
E o futebol, como outras áreas de atividade, tem a competição (neste caso acrescido de uma paixão e uma rivalidade inigualáveis) como uma importante força impulsionadora, que move a estratégia das equipes num mercado que movimenta bilhões de dólares anualmente. Portanto, é um feito e tanto que uma equipe futebolística, cercada de tanto simbolismo e carga emocional, consiga transcrever uma estratégia de forma tão clara e simples. Trata-se de um feito notável.
Este Mapa, datado de 2007 e publicado num texto acadêmico da Universidade de Barcelona, conserva traços que ainda hoje são claramente percebidos na equipe Catalã. Na verdade, imagino eu, o mapa em grande parte traduz e materializa uma estratégia institucional já bem anterior à publicação do mesmo. Desde Cruyff , craque holandês dos anos 70, o Barcelona aposta em atletas com uma clara identidade associada ao futebol arte. Maradona, Ronaldo, Romário, Rivaldo e o hoje celebrado Messi são jogadores símbolos desta cultura esportiva, construindo a imagem do Barcelona como a equipe do futebol arte, do jogo bem jogado e envolvente.
Ao olharmos a perspectiva Processos Internos do mapa acima encontraremos duas elipses com essa clara intenção: manter a competitividade e a conquista de títulos e principalmente jogar um futebol atrativo, fazendo da partida um grande espetáculo. E, na Perspectiva Pessoas (normalmente chamada de Aprendizado & Crescimento) uma elipse que, de forma harmônica, responde aos anseios das elipses da Perspectiva seguinte: formar um time competente e engajado com os nossos valores.
É por este motivo, e não outro, que o Barcelona vem demonstrando, nas últimas décadas, preferência por jogadores latino-americanos (em especial Brasileiros e Argentinos) e Holandeses, cujas escolas de futebol claramente praticam o futebol de toque de bola, habilidade de seus atacantes e pela proposta de jogo claramente focada no ataque, na objetiva plasticidade do jogo e do gol como proposta filosófica natural. É raro perceber em suas equipes jogadores alemães, italianos ou de outras escolas claramente identificadas com a aplicação técnica de seus atletas, com a preocupação excessiva com o sistema defensivo e com o pragmatismo de suas propostas competitivas. Para o Barcelona, não basta ganhar. É preciso dar espetáculo. No estádio Camp Nou, esta é a ambientação: um teatro gigantesco onde o gramado ocupa o papel de um grande palco.
Nas Perspectivas restantes, respectivamente Mercado e Consumidores e Financeira, a clara decorrência dos objetivos estratégicos das perspectivas anteriores. Destacam-se os dois temas bem distintos, na Perspectiva Mercado e Consumidores: marca e mercado, que objetivam o aumento da audiência e do mercado por suas partidas e produtos, e a conquista de consumidores (e torcedores) na Ásia e nos EUA, cuja relação de causa e efeito é direta com as elipses que objetivam a conquista de títulos e da vocação para o jogo bonito e o espetáculo. Desta maneira, o Barcelona arregimenta muitos torcedores, que através da compra de produtos licenciados com a sua marca e o consumo de seus jogos via transmissões abertas e a cabo, manifestam, de forma clara, sua predileção por uma filosofia de jogo que privilegia o espetáculo, em detrimento de equipes duras, de zagueiros rígidos e ataques pouco criativos. O Barcelona é, portanto, uma marca que expressa uma filosofia de um tipo de jogo, um símbolo de beleza e bossa esportiva. É claro, não podemos ignorar os vínculos óbvios e já descritos da equipe com a sua cidade, que se traduz num confortável fluxo de receitas oriundas de uma base respeitável de 165.000 associados.
No tema estratégico marca, da mesma Perspectiva Mercado e Consumidores, destaco um objetivo estratégico ao mesmo tempo corajoso e visionário: posicionar o clube mundialmente como sinônimo de paixão. Poderoso e belo, ao mesmo tempo.
Encontramos, portanto, na Perspectiva Financeira, as elipses que capturam a estratégia desenhada abaixo e que objetivam o aumento das receitas oriundas das vendas dos direitos televisivos, com a venda de ingressos e produtos licenciados. Toda a estratégia está baseada, obviamente, no peso da Marca Barcelona e no seu verdadeiro código cultural para os amantes do esporte.
O resultado financeiro positivo e óbvio retroalimenta a estratégia. Geração após Geração, o Barcelona consolida-se como case de sucesso, cumprindo a Missão da Instituição, que é a de se tornar “referência em gestão e no desporte”.
Por fim, destaco o uso de conceitos de gestão e Estratégia tão avançados por um time de futebol, desmistificando o entendimento equivocado que algumas pessoas têm sobre os mesmos ferramentais, cuja aplicação é reservada somente para grandes empresas em complexos e competitivos setores de atuação.
Imagino se as equipes brasileiras, muitas delas donas de torcidas numerosas e apaixonadas, pudessem incorporar tamanho ferramental estratégico, aliançadas numa disciplina institucional e no conseguinte suporte político de suas diretorias. Decerto os grandes times brasileiros não estariam tão fragilizados, endividados e forçados a vender os seus talentos tão logo despontam, quebrando os vínculos emocionais entre a torcida e os seus ídolos de forma tão atribulada e precoce.
É possível desenvolver uma efetiva estratégia de resgate de marcas tão poderosas, tornando nossos campeonatos produtos competitivos e financeiramente viáveis. Afinal de contas somos, ainda, referência neste esporte e representamos o estado da arte do futebol. Até quando, no entanto, não sabemos.
A Experiência do Barcelona está ai, pronta para ser compartilhada.