A lista de mortos da gente vai aumentando com o tempo. Quando eu era pequena não tinha noção desse morre e nasce. Mesmo porque ninguém meu morria. Tudo tinha um quê tão definido de eternidade, tudo durava tanto e a vida não faltava; a vida era pontual como os quintais e as goiabeiras ali. Todo dia ali. Existindo. Eu não tinha a mínima noção desse vai-e-vem. Desse revezamento. Desse rodízio da humanidade: quem vai pro saque, quem sai do jogo, quem é escalado, quem vai pra reserva. Nada disso havia na minha menina. Agora não. Agora morreu Tião Sá, o filho do Joelson, a mãe de Márgara, Chiquinho Brandão, minha Mãe, minha irmã, Bukowski, Cazuza, Grande Otelo, Mario Quintana, Senna, Fellini, Sérgio Sampaio e tantas mil gentes engrossando a fileira da bola fora. O itinerário das vias de cada um vai estourando como bolas de aniversário na minha cara e vai ficando longe o tempo em que os meus não morriam. Nem quando eu queria. Deus com certeza ri. Não de sarcasmo. Mas pelo costume de ver passar as boiadas. E de olhar pra elas despencando na curva final das planícies. Pra onde, só Deus sabe. E é por isso que ele ri.