Do fim da história à guerrra preventiva
Maurício Santoro - Fundação Getúlio Vargas
Entre 1989 e 1991 a História acabou, ou assim nos garantiu Francis Fukuyama. O mundo rumaria para a economia de livre mercado e para a democracia. O período dos grandes embates ideológicos havia terminado e seria substituído por variações sobre o tema do American way of life. Essa visão – otimista ou arrogante, conforme a perspectiva – ruiu ao longo dos violentos conflitos étnicos e religiosos da década de 1990, com os genocídios na Iugoslávia e em Ruanda, a vitória dos Talibãs na guerra civil do Afeganistão, o colapso do Estado no Congo, a nova Intifada na Palestina. Quando o World Trade Center e o Pentágono foram atingidos em 11 de setembro de 2001, acionaram um imenso catalisador político, que levou ao centro da agenda pública dos Estados Unidos ideias e propostas que haviam surgido nos anos anteriores, mas permaneciam às margens do debate.
A mais importante delas: Washington deveria abandonar a estratégia diplomática da Guerra Fria, de contenção aos Estados inimigos, e substituí-la por políticas de guerras preventivas, para impedir a ascensão de potências regionais que pudessem desafiar sua hegemonia em regiões-chave do planeta. Afinal, não havia agora uma superpotência rival que vetasse as ambições militares do país.
A idéia havia sido proposta pela primeira vez em 1990-1, durante a Guerra do Golfo, quando um grupo de intelectuais de direita havia sugerido ao presidente George Bush (pai) aproveitar a oportunidade para depor Saddam Hussein e usar o Iraque como base para um redesenho estratégico do Oriente Médio. A iniciativa foi rejeitada. Hussein foi expulso do Kuweit e das fronteiras com a Arábia Saudita, mas Washington optou por mantê-lo no poder, por temer os riscos da fragmentação iraquiana. O regime de Hussein foi contido por meio de combinação de sanções econômicas, zonas de exclusão aérea, inspeções de armas, ataques militares pontuais e alianças dos Estados Unidos com minorias étnicas no Iraque, como os curdos. Grosso modo, a linha foi seguida pelo sucessor de Bush, Bill Clinton, em seus dois mandatos na Casa Branca (1993-2001).
Mas a sucessão de crises diplomáticas da década de 1990 levou a redefinições das preocupações com a segurança nacional dos Estados Unidos. A União Soviética havia entrado num colapso tão profundo que o principal receio era que a Rússia se tornasse fraca demais para garantir a estabilidade no Cáucaso, na Ásia Central e o controle sobre seu próprio arsenal nuclear. A China trilhava o caminho da ascensão pacífica no sistema internacional, jogando de acordo com as regras da ONU, negociando para ingressar na Organização Mundial Comércio e garantindo manufaturas baratas e fluxos financeiros para sustentar o alto padrão de consumo e de endividamento dos EUA. União Européia e Japão seguiam como aliados que não questionavam os pontos essenciais da política externa de Washington. Restava o mundo em desenvolvimento – e ele vinha se mostrando surpreendentemente turbulento.
Declaram vitórias em ambos os conflitos, mas deixarão para trás dois países destruídos e fragmentados
Na década que precedeu o 11 de setembro, acadêmicos, jornalistas e líderes políticos passaram a apontar que os maiores riscos aos Estados Unidos vinham de ameaças não-estatais na periferia global: crime organizado, epidemias, migrações descontroladas, expansão do fanatismo religioso e do terrorismo. Era um mundo de perigos difusos, difíceis de controlar e que em muitos casos eram alimentados pelas próprias forças da globalização e das fronteiras mais fluidas essenciais para a prosperidade da economia internacional. Nenhum Estado tinha capacidade ou disposição para desafiar Washington numa guerra convencional. Mas grupos e indivíduos poderiam fazê-lo por meios heterodoxos, em formas de conflito cujo significado conceitual os especialistas ainda tentam definir – guerra assimétrica, irregular, de 4ª geração.
Bin Laden não inventou esses medos, mas os fortaleceu e legitimou perante grande parte da opinião pública dos Estados Unidos a necessidade de amplas ações militares no Oriente Médio, para destruir as difusas redes do terrorismo e do extremismo político da Al-Qaeda e dos Talibãs. O velho lobby da guerra no Iraque, em segundo plano desde 1991, voltou à tona com força total e conseguiu convencer a população de que Saddam Hussein havia se envolvido com o 11 de setembro e que era preciso travar uma guerra preventiva contra o ditador, antes que ele usasse suas armas de destruição em massa num ataque contra os EUA. Os planos eram ambiciosos – destruir os regimes autoritários hostis na região, substituí-los por democracias pró-Ocidente e usá-las como aliadas para pressionar as ditaduras amigas, como a Arábia Saudita e conseguir um acordo de paz entre Israel e os palestinos.
Entre os atentados de 2001 e as guerras no Afeganistão e no Iraque, morreram cerca de 10 mil americanos e um número impreciso de pessoas nos dois países asiáticos – as estimativas oscilam entre 100 mil e 600 mil apenas entre a população iraquiana. A Al-Qaeda foi enfraquecida e Bin Laden assassinado após uma década de caçada. Mas os Talibãs se reorganizaram no Paquistão, alteraram sua estratégia para se aliar a outros grupos étnicos além de seu núcleo pashtun e transformaram 2011 no ano mais sangrento da guerra do Afeganistão. Os Estados Unidos se retiram até dezembro do Iraque e tirarão dois terços de suas tropas do território afegão até suas eleições presidenciais de novembro de 2012. Declaram vitórias em ambos os conflitos, mas deixarão para trás dois países destruídos e fragmentados, caldeirões de ódios étnicos e religiosos.
A História é claro, não acabou, mas mudou o endereço de seus protagonistas. As multidões de jovens anônimos que derrubaram ditaduras na Tunísia, Egito e Líbia tornaram-se mais influentes do que as doutrinas dos Estados Unidos e do que os exércitos que atravessam o Oriente Médio. O sul global pode ser fonte de ameaças, mas também é de esperanças e renovação democrática. A Primavera Árabe já cruzou o Mediterrâneo para os protestos juvenis na Europa, oxalá atravesse também o Atlântico para revitalizar a combalida democracia nos EUA