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Entrevista de Skinner à Veja em 1983

Enviado por Gilberto Godoy
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   O grande papa da ciência do comportamento identifica em problemas como a ameaça nuclear ou a superpopulação perigos inéditos para o mundo. Com suas teorias pioneiras sobre o comportamento humano e as possibilidades de seu controle, nos anos 50 e 60, ele não ficou apenas célebre. Professor da Universidade de Harvard e expoente máximo da psicologia americana, B.F. Skinner (B. de Burrhus e F. de Frederic) é o grande papa da chamada “ciência do comportamento”, o behaviorismo. Em síntese, suas ideias sugerem que tudo pode ser perfeitamente previsível e, portanto, perfeitamente controlável no comportamento humano. Não é o indivíduo que controla o meio ambiente, e sim o contrário – este é o ponto de partida de sua teoria. Sendo assim, o homem reagiria a estímulos – da mesma forma que um rato, num laboratório, apresenta reações de medo ou satisfação, violência ou docilidade, desde que adequadamente estimulado.

   As ideias de Skinner propunham uma revolução nas ciências humanas – e jamais, desde que foram enunciadas, deixaram de provocar polêmicas. Alguns saudaram, na sua sugestão de que o indivíduo poderia ser induzido a agir de forma positiva ou negativa, uma vez convenientemente levado a uma ou outra direção, a possibilidade de surgimento de um homem novo. Outros, porém, logo suspeitaram nas técnicas de controle por ele formuladas um ranço totalitário capaz de produzir regimes tirânicos.

   Nos últimos meses, e agora já quase lendário aos 79 anos, B.F. Skinner voltou a freqüentar as paginas dos jornais com uma mensagem alarmista: a espécie humana, repete ele, caminha para a extinção. Ao mesmo tempo, ele cativa audiências ao aplicar sua controvertida técnica de controle do comportamento contra um inimigo universalmente detestado: a velhice, tema de seu ultimo livro, prestes a ser publicado, Vivendo bem a velhice. Skinner, na verdade, apresenta-se como a melhor propaganda do método que anuncia: quase octogenário, ele ainda trabalha diariamente em seu escritório de Harvard e viaja pelo mundo todo para conferências.

VEJA- O senhor sempre afirmou que o avanço nas ciências humanas, sobretudo na psicologia, abriria caminho para uma civilização mais avançada, quase utópica, mas, ultimamente, tem parecido muito pessimista. O que mudou?

SKINNER- Ainda acredito que as técnicas de mudança de comportamento permitem um progresso grande, particularmente em áreas específicas, como o uso da educação programada nas escolas para acelerar a aprendizagem, a criação de sistemas de incentivo na indústria para aumentar a produtividade e, naturalmente, em psicoterapia. Nesse sentido, o behaviorismo, ao esclarecer como o homem age em função de estímulos positivos ou negativos, pode ter um impacto positivo, no futuro imediato, contribuindo para uma sociedade mais bem informada, rica e satisfeita. Mas estamos ameaçados pelas conseqüências que nossas ações atuais, como corpo social, terão no futuro distante. E é por isso que estou tão pessimista. O mundo está caminhando para o desastre, confrontando com problemas em escala inédita.

VEJA- Que problemas são esses?

SKINNER- A superpopulação, por exemplo. Parece óbvio para qualquer pessoa sensata que há um limite para a quantidade de seres humanos que podem viver no planeta, mas não se está fazendo um esforço sério para lidar com a questão. Temos 4,5 bilhões de pessoas, pelo menos metade das quais subnutridas – e, como não estamos conseguindo resolver o problema delas, nada indica que os outros bilhões que virão terão sorte muito diferente. Estamos destruindo o meio ambiente, consumindo recursos naturais em ritmo mais rápido do que eles se repõem. Todos os estudos científicos mostram que estas práticas, hoje, levam ao desastre, mas não estamos tentando seriamente promover mudanças. E, pior de tudo, há a ameaça nuclear. É mais do que óbvia a necessidade de conter o arsenal nuclear, mas um balanço das últimas décadas mostra que não estamos tendo sucesso nesse sentido. Pelo contrário, do jeito que as coisas vão, parece cada vez mais improvável que as potências cedam na resolução de conflitos.

VEJA- Ao longo da história, a raça humana superou variadas espécies de conjunturas desfavoráveis que pareciam, à época, insolúveis. Por que não resolveríamos os problemas, desta vez?

SKINNER- Este argumento é como consolar um doente que está morrendo lembrando que, afinal, ele esteve doente outras vezes e sempre se recuperou. O mundo pode estar chegando a uma condição única, em que pela primeira vez, na história, está de fato morrendo – e não estamos fazendo nada para salvá-lo.

VEJA- Movimentos como o pacifista e o ecológico não mostram uma consciência nova sobre os problemas que o senhor aponta? Já não estaria havendo algum progresso, sobretudo na preservação do meio ambiente?

SKINNER- Alguns setores da população, o chamado “quarto estado”, que engloba cientistas, professores, profissionais da informação e intelectuais em geral – em relação aos três estados tradicionalmente dominantes: governo, igreja e empresariado -, realmente dão sinais de consciência do problema. Fazem-se passeatas, manifestos. Mas não é assim que se consegue mudar o comportamento de 4,5 bilhões de pessoas. Se você falar com a maioria dos acadêmicos aqui em Cambridge, eles reconhecerão que é um absurdo uma pessoa ir de carro particular até Boston, desperdiçando gasolina e poluindo o ar, quando poderia muito bem tomar o metrô. Mas o único jeito de fazer com que as pessoas realmente tomassem o metrô seria se o governo as induzisse a isto, cobrando pedágios bem mais caros no túnel para Boston, por exemplo. Porque a única forma de promover as mudanças necessárias e com a rapidez necessária – isto é, controlar o crescimento demográfico, promover estilos de vida mais simples, com menos desperdício e prejuízo para o meio ambiente -, seria se a indústria, a igreja ou o governo, os que têm poder, se dispusessem a implementá-las.

VEJA- Mas pelo menos nos casos das democracias, não é verdade que os governos e mesmo a indústria costumam ser induzidos a promover mudanças quando elas se tornam indispensáveis?

SKINNER- Acho que os detentores do poder econômico, os que têm dinheiro, vão continuar a usá-lo para produzir lucros rápidos, sem qualquer preocupação com os problemas globais. As coisas a este nível são tão pouco planejadas que um país como o México pode ir à bancarrota de repente, e pegar o mundo financeiro desprevenido. Quanto aos políticos, eles estão sempre preocupados com a próxima eleição e, portanto, indispostos a pregar sacrifícios hoje, para preservar o futuro. Durante o momento mais crítico da crise energética, alguns países impuseram limites no consumo de petróleo, mas, tão logo passada a emergência, voltamos aos velhos hábitos, embora a ameaça de escassez continue presente. Deveríamos ter leis severas para favorecer o transporte público, manter baixa a temperatura dos aquecedores no inverno e limitar o uso dos aparelhos de ar-condicionado no verão – isto em base permanente. Mas o problema é que os políticos não querem o ônus de um programa necessariamente impopular e nossa sociedade está voltada para a gratificação imediata, o conforto absoluto. Chegamos a um ponto em que tornou-se imperativo tomar medidas para preservar o planeta e a espécie. E não estamos fazendo isto.

VEJA- Mas existe alguma fórmula para fazer com que as pessoas aceitem o sacrifício? É possível sensibilizá-las para este futuro distante?

SKINNER- É característico da espécie humana agir em função apenas do futuro mais próximo e da experiência passada. Porque o futuro mais distante não existe, no sentido de que não foi experimentando. Ninguém toma uma estrada desconhecida sem razão. Se entrar nela é porque lhe disseram que tem paisagem bonita, ou que tem alguma vantagem sobre as outras. Da mesma forma, o homem não faz nada sem uma expectativa, um estímulo que encoraje ou desencoraje seu comportamento. Sobretudo quando é algo para o futuro distante. Instituições como a igreja, governo e indústria sempre usaram estes reforços de comportamento para fazer com que as pessoas trabalhassem para o futuro. A indústria acena com a recompensa do salário para que seus empregados produzam. Governo e religião sempre souberam manipular a técnica do prêmio ou castigo para induzir as pessoas a dar a vida por suas causas. Infelizmente, o futuro destas instituições não coincide necessariamente com o interesse da preservação da espécie. Há um consenso de que é preciso conter o crescimento demográfico. Mas o empresariado não se importa – crescimento zero é péssimo para o mercado. Os governos também não se importam – a força dos exércitos depende da disponibilidade de recrutas. E, como já disse, os políticos estão mais preocupados é com a próxima eleição.

VEJA- Pelo que o senhor diz seria preciso impor estas mudanças, já que elas não são populares. Mas isto não extinguiria um regime autoritário?

SKINNER- Quando escrevi meu livro Além da liberdade e da dignidade, há dez anos, fui acusado de estar descartando os valores mais caros da civilização, propondo a manipulação das massas. Mas isto era uma simplificação grosseira. O que digo é que a satisfação material é um valor perigoso, e as sociedades afluentes foram bem-sucedidas demais em garanti-la. Nas sociedades avançadas, elevou-se o direito individual a valor absoluto – o direito, por exemplo, de se consumir quanto se deseja, sem interferências, mesmo que estes padrões de consumo sejam em detrimento do meio ambiente e do todo social. Nas sociedades mais avançadas, praticamente acabamos com as formas de controle punitivo. Em educação somos extremamente complacentes, a justiça dá sentenças generosas para criminosos, prisões são consideradas uma afronta à dignidade humana. Acho que houve uma evolução positiva, não estou defendendo a volta da palmatória ou da guilhotina, mas acho que há um exagero neste conceito de direito do indivíduo. Não se trata de abrir mão da liberdade, mas quando se começa a falar em direito dos animais, direito de se andar de motocicleta sem capacete, direito de usar carros poluentes ou direito dos fetos, há sem dúvida um exagero. É o que chamo de “Libertas Nervosa”.

VEJA- Como assim?

SKINNER- Trata-se de uma comparação com a anorexia nervosa, a doença em que a pessoa, para perder peso, faz uma dieta, mas não consegue parar quando atinge o equilíbrio e continua a dieta até a desnutrição. Não digo que as sociedades afluentes tenham que abrir mão do respeito à liberdade e dignidade individuais, mas que, levados ao extremo, estes valores podem ameaçar a sobrevivência da sociedade como um todo. Se você elege em direito absoluto do indivíduo ter quantos filhos quiser, poluir a atmosfera a seu bel-prazer ou consumir recursos não renováveis no ritmo que desejar, estamos bloqueando nossa possibilidade de promover novas formas de comportamento que garantam o futuro de toda a sociedade. Já sabemos o suficiente sobre o comportamento humano para poder recorrer a estímulos que induzam a mudanças de comportamento necessárias para resolver estes problemas graves que nos desafiam. Mas não faremos nada se ficarmos presos à noção de que isto interfere com a liberdade dos indivíduos.

VEJA- Quando se começa a abrir mão desta liberdade, não há risco de grupos no poder usarem estas práticas de controle sem considerar o bem comum? E quem é que decide qual é o bem comum?

SKINNER- Claro que o ideal seria o príncipe esclarecido de Maquiavel, ou o rei-filósofo de Platão. Mas o problema com estes regimes ditatoriais é que eles bloqueiam o progresso, tendem à estagnação, enquanto sociedades com grau maior de liberdade evoluem mais rapidamente. Não acho que as sociedades marxistas, onde há controle absoluto, sejam mais eficientes – e não gostaria de morar na URSS, porque mesmo que os homens do topo tenham boas intenções, a vida dos cidadãos é desinteressante e cheia de inconveniências. Não acredito que seria preciso uma sociedade fechada, com um grupo manipulando as massas, para promovermos as mudanças de comportamento que defendo. Meu ponto é justamente que seria possível, usando nosso conhecimento sobre o comportamento humano, sensibilizar as pessoas para estes problemas e induzi-las, de forma positiva, a mudar.

VEJA- A educação seria um caminho?

SKINNER- O sistema educacional seria, sem dúvida, o ponto onde atacar. Mas não tenho qualquer esperança. O sistema educacional atual é o grande escândalo de nossa civilização, totalmente ultrapassado. Através da ciência do comportamento, desenvolvemos a educação programada, por exemplo, em que os estudantes usam materiais projetados especialmente para recompensar o avanço de cada um na aprendizagem – e torná-la mais rápida e interessante. Alguns setores pioneiros a adotam, mas, quase trinta anos depois, a maioria das escolas ainda resiste à idéia de educação programada, alegando que ela é massificante, ou que não respeita a individualidade e originalidade de cada indivíduo. Não vejo como educação programada seria mais massificante do que a televisão, por exemplo, mas isto ilustra bem como estamos presos a conceitos às vezes ultrapassados.

VEJA- E o senhor não vê qualquer possibilidade de mudança?

SKINNER- Se eu tivesse que prever o estado da sociedade daqui a 100 anos, se sobrevivermos a um desastre atômico, diria que haverá infelizmente um único governo autoritário – porque a esta altura este tipo de regime terá se tornado imperativo para controlar o crescimento populacional, a poluição e o consumo de recursos não renováveis. O lamentável é que temos tecnologia e conhecimentos suficientes sobre comportamento para construirmos um mundo diferente, mas não somos capazes.

VEJA- Para muitas pessoas, Skinner e behaviorismo, embora já incorporados à ciência, ainda são sinônimos de manipulação de comportamento e possibilidades sinistras. Isso o incomoda?

SKINNER- Eu estou preocupado com a escalada das armas nucleares, mas não culpo Einstein por isto. Lamento, como todo mundo, que certas drogas pesquisadas com fins farmacêuticos sejam usadas por viciados, mas nem por isso vai defender-se o fim da pesquisa farmacêutica. Não se acaba com os automóveis porque motoristas bêbados os usam para matar. Tudo pode ser usado para fins sinistros e isto vale para a tecnologia do comportamento. O fato é que pessoas habilidosas sempre souberam manipular o comportamento de outras. Só que o faziam intuitivamente, como uma arte. Alguns tinham o talento, outros não. Com o behaviorismo, explicamos como isto se faz.

VEJA- Ultimamente o senhor está popularizando estratagemas para superar os desconfortos da velhice. Até que ponto é possível retardar a senilidade mental?

SKINNER- A velhice é como o cansaço, com a diferença de que você não a elimina tirando férias ou uma soneca. Mas ela não precisa ser necessariamente o fim de qualquer atividade intelectual gratificante. Com este meu novo livro, eu terei publicado seis deles desde que completei 70 anos, o que é uma marca excelente para qualquer acadêmico. Isto foi possível porque, usando os conhecimentos desenvolvidos em laboratórios sobre comportamento humano, eu arranjei minha rotina de forma a que eu possa render tanto quanto possível. O segredo é justamente a lição do behaviorismo, de que nosso comportamento é pautado por reforços positivos ou negativos do meio ambiente. Você age de um modo, e há sempre conseqüências. Se elas são positivas para você, a tendência é repetir o comportamento. O problema é que na velhice somos gradualmente privados de todo tipo de reforço. O segredo é buscar formas de comportamentos que compensem.

VEJA- Por exemplo?

SKINNER- Na velhice não se sente bem o sabor dos alimentos, perde-se o apetite. Muitos desistem de apreciar música porque ouvem mal. Perdem-se os amigos, o sexo já não é estimulante, a aposentadoria elimina os estímulos profissionais e financeiros. Sem todos estes reforços, é compreensível que muitos velhos sejam derrubados pela depressão. É preciso aprender a trabalhar menos horas, perceber quando a fadiga mental interfere, saber então descansar profundamente para que o trabalho, quando reiniciado, seja gratificante.

VEJA- Pode-se usar um aparelho para a perda auditiva. Mas e a perda da memória?

SKINNER- Há pequenos truques que explico no livro para contornar a perda da memória, alguns bem simples. O importante é aceitar a deficiência e achar um jeito de combatê-la. Andar sempre com papel e lápis no bolso, por exemplo, ou um gravador, para registrar na hora todas as idéias antes que elas se percam. Procurar formas de lazer adequadas. Eu gostava de ler Balzac, mas a boa literatura é mais cansativa. Jogos complicados, como o xadrez, também não são adequados. Se se tiver a humildade de ler coisas mais simples, na hora do lazer, ou mesmo assistir televisão, pode-se realmente relaxar, para ser capaz, depois, de trabalhar produtivamente algumas horas. É preciso fazer um esforço para experimentar coisas novas, projetar quase cientificamente uma rotina e um estilo de vida que ofereçam estímulos específicos para substituir os que a sociedade e a deterioração física vão gradualmente eliminando.

     Fonte: Revista Veja

     Nota do blog: há algumas afirmações na introdução da matéria da Veja, nos primeiros parágrafos, que merecem correção ou comentário.

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