Se Nova York é a cidade que nunca dorme eu não sei. O que sei é que muita gente, de fato, não dorme. E não é por falta de vontade.
O barulho é de longe a maior reclamação no serviço 311, uma linha telefônica de comunicação entre os moradores e as prefeitura da cidade. Lançado em 2003, o número recebe uma média de 50 mil ligações por dia.
É cão que late, vizinho que toca instrumento musical, caminhão de colheita de lixo que apita sem parar, fumantes do barzinho que conversam à sua janela e festinha de aniversário da vizinha. No website do centro de atendimento, a cidade lista os 21 diferentes tipos de barulho mais frequentes.
Foi difícil encontrar algum com o qual eu não tenha pessoalmente sofrido.
No caso mais recente, um vizinho - e por vizinho quero dizer que um fino painel de gesso nos separa- decidiu ensaiar com toda sua banda numa manhã de sábado. Depois de duas horas aguentando um barulho que fazia a casa inteira vibrar e dizendo pra mim mesma que “se não parar depois desta música, vou lá”, decidi reclamar. Pedi que, por favor, pelo menos tocasse sem a bateria porque eu estava tentando trabalhar aqui ao lado.
“Eu também estou tentando trabalhar”, ele disse.
Excuse me?!
Isso mesmo. Disse que aquele era o trabalho dele e que, abre aspas, essa é a natureza deste lugar, temos que conviver com o barulho do vizinho, fecha aspas.
Resta saber onde o direito de trabalhar dele termina e o meu começa. A banda continuou por outros 45 minutos até que a paz fosse restaurada.
Quando morava na rua 17, em Manhattan, o problema era ainda mais grave. Durante meses, às 3 da manhã em ponto, caminhões se aglomeravam para demolir o edifício em frente. Ali nem os protetores auriculares mais poderosos, capazes de reduzir o ruído em mais de 33 decibéis, funcionavam.
Num outro apartamento, um bar com música ao vivo do outro lado da calçada gostava de abrir as portas para atrair mais clientes. Até hoje ainda acho que da minha casa se ouvia melhor aqueles grupos do que no próprio bar.
Enquanto as causas para reclamações sobram, faltam soluções.
Cansei de ligar pro tal 311 e nada. E o que você escuta depois de meia hora esperando na linha? “A polícia tem até oito horas para responder à sua reclamação”. Oito horas?! “Se este barulho não parar em oito minutos, sou capaz de matar alguém aqui,” eu dizia.
De malas prontas para minha décima mudança na cidade, já me pergunto qual será a “surpresinha” do próximo endereço. Afinal, morar em Nova York tem a suas vantagens. Mas o silêncio certamente não é uma delas.
Fonte: Karina Vieira
Karina Vieira é jornalista e mora em Nova York há 10 anos.