O massacre de Denver, nos Estados Unidos da América, é estúpido, cruel, mas, ao mesmo tempo, compreensível, e nos perguntamos por que os americanos podem ficar surpresos com essa barbárie? As lágrimas do presidente americano pelas vítimas do massacre é uma hipocrisia. O que aconteceu lá é produto de um fenômeno de dissociação de um grupo que não sabe mais o que é realidade e o que é ficção.
Um jovem entra pela porta de emergência de um cinema, com o cabelo pintado de vermelho, usando máscara, um colete à prova de balas, uniforme da SWAT, e armado com duas pistolas, um rifle e uma espingarda. Após gritar que é o Coringa, joga uma bomba de fumaça e abre fogo, durante vinte minutos, contra as pessoas presentes no recinto. Setenta e uma pessoas são alvejadas, doze mortas.
A chacina se deu à meia noite, durante a estreia do filme Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge – na verdade, quem surgiu mesmo foi o Coringa. Vestidos de Batman e de outros personagens do filme, inicialmente, os espectadores achavam que se tratava de uma campanha promocional, e que tudo não passava de uma simulação.
O assassino declarado é um jovem de apenas 24 anos, estudante de doutorado. Antes de cometer os crimes, ele minou seu apartamento com granadas, bombas e outros artefatos explosivos – que seriam acionadas ao abrir da porta (igualzinho aos filmes) – suficientes para explodir o prédio inteiro. Todo esse material, incluindo seis mil cartuchos de balas, pistolas Glock, rifles e escopetas foram comprados legalmente pela Internet e entregues em casa. Da mesma forma que nós compramos tênis e livros.
O sujeito agora está preso, passa o dia cuspindo nos guardas, diz que é o Coringa, e afirma que está “atuando”. Fãs do Batman estão fazendo um abaixo assinado solicitando ao ator que o interpreta, Christian Bale, para visitar a cidade, e mostrar para as crianças a existência do super-herói, para provar-lhes que o Coringa não venceu! É verdade, acreditem!
Como é que a maior democracia do mundo, o país que nos deu, e nos dá tanta coisa maravilhosa, com enorme capacidade trabalho, inventividade, criatividade pode permitir que coisas assim possam acontecer? Como é que alguém pode comprar armas e munições pelo correio? Simples, os EUA se tornaram reféns da indústria bélica há muito tempo, e não tem saída. Massacres como o de Denver – famosa pelos filmes de bang bang – podem acontecer a qualquer hora, em qualquer lugar e não devem surpreender ninguém.
Esse massacre não vai mudar simplesmente coisa alguma nas leis americanas sobre o controle de venda de armas. Esse povo brilhante, que discute, esmiuça e desvenda tudo, não vai mudar sua constituição por causa desses inocentes mortos. Andar armado faz parte, lamentavelmente, da cultura americana. Taí o passado dos filmes de Western de John Wayne, o gênero americano por excelência, para provar isso. O americano ama armas. Elas fazem parte do “american way of life”.
A relação dos americanos com o cinema e o mundo virtual é visceral. E Hollywood, tristemente, está cheia de indivíduos amorais: como Angelina Jolie, que veste os filhos um dia de homem e outro de mulher para eles escolherem o sexo o qual querem pertencer; ou de Woody Allen, o gênio feioso com jeito de psicopata, que casou com a própria filha; ou de Tom Cruise, adepto de uma seita de psicóticos endinheirados; ou do brutal Quentin Tarantino, que estetiza e faz a apologia da violência;
Talvez os americanos tenham mesmo consciência de que não podem se livrar das armas, de que um povo desarmado será vítima de loucos armados. E é uma pena que seja assim. Podemos ver, com muita tristeza, que o sonho americano, para a felicidade dos que odeiam a América, também é cheio de pesadelos.
* Theófilo Silva é escritor, articulista de vários blogs, autor do livro 'A paixão segundo Shakespeare' e fundador da Sociedade Shakespeare.