Vinícius de Moraes - 'Meu tempo é quando'
Foi em uma madrugada chuvosa no Rio de Janeiro que veio ao mundo Marcus Vinitius da Cruz e Mello de Moraes, ou, simplesmente, Vinicius de Moraes, que, se estivesse vivo, completaria 100 anos em 19 de outubro de 2013. Parafraseando um de seus versos mais famosos, o escritor, se não chegou a ser imortal, foi infinito enquanto vivo. “Um poeta completo”, como descreve o professor Luís Augusto Fischer, patrono da Feira do Livro de Porto Alegre deste ano.
Não à toa. Ao longo de seus 66 anos de vida, Vinicius de Moraes destacou-se de muitas formas e para muitos públicos. O carioca passou pela literatura, teatro, cinema e música. Bacharel em Letras, também se graduou em Direito. Foi escritor, dramaturgo, letrista, poeta e diplomata.
“Ele operou em várias faces. Escreveu pra gente culta e erudita, como ele, até o cara que não entendia nada, que não tinha leitura, como é a maior parte do povo brasileiro”, salienta Fischer. “E até para crianças”, destaca o professor, lembrando a “Arca de Noé”.
Um início sério
O “poetinha” – como ficou conhecido – foi criado em um ambiente musical. Embora não fosse músico, o pai, funcionário da Prefeitura do Rio de Janeiro, também era poeta e violinista amador, assim como a mãe pianista amadora. A vocação artística foi demonstrada desde cedo. Publicou o primeiro livro – “Caminho para a Distância” – em 1933, quando tinha 20 anos. Um texto sério, que nada se assemelha com o jeito boêmio e descontraído que o marcaria décadas depois.
“A coisa mais notável é que no começo da carreira ele era um poeta filosofante, metafísico e publicou livros naquele clima dos poetas católicos do Rio de Janeiro”, explica Fischer. “Mas depois ele fez algo que ninguém esperava: uma conversão em direção a uma linguagem diferente. E virou letrista. A primeira grande imagem que tenho de Vinicius de Moraes é essa. A de um poeta que tinha atingido um estágio de poesia erudita e resolveu levá-la a uma direção mais popular”, pondera.
Considerado um dos maiores sonetistas do Brasil, Vinicius de Moraes é autor de estrofes que até hoje embalam casais e paixões. Em sua obra, fez da sua cidade natal um cenário para os encontros e desencontros da vida. Com a mesma genialidade, descreveu belas mulheres, apresentou ao mundo a “Garota de Ipanema” e tantas outras que observou passar pela orla carioca.
Poeta da Paixão
José Castello, um de seus biógrafos, o descreveu como “Poeta da Paixão”, opinião compartilhada pelo amigo Chico Buarque, que ressaltou no documentário “Vinicius” que o amigo buscou – mas não necessariamente encontrou – o amor. O apaixonado Vinicius casou-se nove vezes e teve cinco filhos.
“Ele cantou muito os vários estados de paixão, de enamoramento. Não era um poeta do cotidiano. Por outro lado, ele tem vários poemas da dor da paixão, como a separação”, lembra Luís Augusto Fischer. “Tudo nele era muito na ponta, no extremo, vibrado. Tanto para a aproximação entre o amador e a amada, quanto na separação do casal”, detalha o patrono da Feira do Livro.
Parcerias de sucesso
Além da vasta obra literária, o “poetinha” colaborou para criar a bossa nova, ao compor “Chega de Saudade”, na década de 50, em parceria com João Gilberto e Tom Jobim – com quem assinou alguns de seus principais sucessos, como “Garota de Ipanema”, “Eu Sei Que Vou Te Amar”, entre outros.
“Seria impossível imaginar a canção brasileira sem a bossa nova. Vinicius de Moraes faz parte do eixo principal da grade virada positiva que a música brasileira teve e que é conhecida no mundo todo”, afirma Fischer.
Tom Jobim, porém, não foi a única parceria marcante de Vinicius. A partir dele, o poeta passou a trabalhar ao lado de nomes como Baden Powell – com quem criou os “Afro Sambas” –, Edu Lobo, Carlos Lyra e, mais próximo ao fim da vida, Toquinho, quando já havia sido demitido pela ditadura militar do cargo de diplomata do Itamaraty, onde trabalhou de 1943 a 1969, representando o Brasil em diversos postos pelo mundo.
Infinito enquanto durou
Com uma vida intensa e desregrada, Vinicius de Moraes passou a ter complicações de saúde. Em abril de 1980, o poeta sofreu uma cirurgia para instalação de um dreno cerebral para conter um derrame. A recuperação não foi completa. Na noite de 9 de julho de 1980, morreu aos 66 anos em sua casa, no Rio.
No entanto, após mais de 30 anos, sua obra segue sendo lembrada e revisitada. E assim continuará, acredita Fischer: “Vinicius jamais será esquecido, não tem jeito. Os poemas impressos, mesmo sem música, são inesquecíveis. Ele foi capaz de fazer sínteses muito poderosas que sempre serão lembradas”.
Na edição de 10 de julho de 1980, o Correio do Povo – ainda então no formato standard – dedicou uma página inteira ao poeta. Com direito à homenagem de outro grande nome da literatura, Mario Quintana, que assim lamentou a morte do colega: “À última hora, a morte de Vinicius! Não adianta dizer que a sua poesia aqui está conosco. Fazia bem à gente, enquanto escrevia, saber que Vinicius não poderia ler. Porque ele era um poeta que lia os outros poetas. Que nos incentivava, nos assistia, fazendo-nos acreditar em nós mesmos como nós acreditávamos nele. Obrigado, Vinicius, pela tua grande poesia e, principalmente, pela tua grande vida”.
Fonte: Correio do Povo