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A Primeira Fotografia de um Buraco Negro

Enviado por Gilberto Godoy
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   Depois de cinco noites de observação, os astrónomos podem, finalmente, ter capturado a primeira imagem de sempre do famoso buraco gravitacional conhecido como buraco negro.

   Mais especificamente, o tão desejado retrato pertence a uma misteriosa região que envolve o buraco negro. Conhecida como horizonte de eventos, esta é a fronteira a partir da qual nada, nem mesmo a luz, pode escapar ao enorme alcance do objeto.

   Quando a última ronda de observação terminou, às 11 h 22 min da Zona Leste,  Vincent Fish , um membro da equipa, instalou-se confortavelmente no seu escritório no MIT Haystack Observatory, em Westford, Massachusetts. Na última semana, o Fish esteve de plantão 24 horas por dia, sete dias por semana, dormindo intermitentemente com o telemóvel ao seu lado, com o alarme a tocar alto.

   Quando os últimos dados chegaram aos observatórios do projeto, ele viu comentários comemorativos que chegavam numa linha de rádio feita especialmente para conversas entre astrólogos e engenheiros. Reparou que um deles estava prestes a abrir uma garrafa de whisky de 50 anos. Outro estava a ouvir os triunfantes acordes da “Bohemian Rhapsody”.

   "Estou muito feliz e muito aliviado, e estou ansioso por ter uma boa noite de sono", diz Fish.

   Mas àquela sensação de alívio juntou-se um pouco de ansiedade: todos estes dados levam muito tempo para serem processados, e a equipa tem de esperar meses para saber se o enorme esforço que despenderam foi realmente um sucesso.

   "Mesmo que as primeiras imagens sejam ainda más e pouco nítidas, já podemos fazer um primeiro teste a algumas previsões básicas da teoria da gravidade de Einstein no ambiente extremo de um buraco negro", afirmou o astrónomo Heino Falcke , da Universidade de Radboud, em Nijmegen, na Holanda.

   Apresentada em 1915, a teoria revolucionária de Einstein diz que a matéria deforma ou curva a geometria do espaço-tempo, e a gravidade é a forma de nós percecionarmos essa distorção. A existência de buracos negros extremamente massivos foi uma das primeiras previsões da teoria de Einstein. 

   "Eles são o ponto final do espaço e do tempo, e podem representar o limite máximo do nosso conhecimento", diz Falcke. No entanto, os astrónomos só têm provas circunstanciais de que estes buracos estão escondidos no coração de cada grande galáxia do universo. Nem mesmo o Einstein tinha certeza de que eles realmente existiam.

   Segundo Falcke, com as primeiras imagens "os buracos negros vão deixar de ser um objeto mítico para passarem a ser algo concreto passível de ser estudado".

   VIGIA METEOROLÓGICA EXTENUANTE

   Para chegar até aqui, foram necessários vários anos de planeamento e cooperação entre parceiros internacionais em observatórios espalhados por todo o mundo, desde a mais alta montanha do Havaí até o terreno gélido do Polo Sul. Esta rede eletronicamente ligada a oito observatórios criou um radiotelescópio virtual tão amplo quanto o planeta.

   Espreitar o Abismo - Poderosos radiotelescópios em todo o mundo podem ser sincronizados para trabalhar em conjunto, aumentando a eficácia da resolução e da sensibilidade muito mais do que qualquer telescópio poderia fazer. As grandes distâncias entre este conjunto de instalações, conhecido como EHT (Event Horizon Telescope), aumenta realmente a sua eficácia.

   Conhecido como o  EHT (Event Horizon Telescope), a rede de emissão de rádio por satélite começou a observar o espaço durante dez dias, com início a dia 4 de abril.

   O telescópio centrou a observação em dois buracos negros supermasivos: um mostro tão grande quanto quatro milhões de sóis chamado Sagitário A*, que está localizado no centro da nossa galáxia Via Láctea, e um buraco negro cerca de 1500 vezes mais pesado no núcleo da galáxia vizinha M87.

   O EHT  já tinha sondado as proximidades de cada um desses gigantes, mas esta é a primeira vez que a rede inclui o telescópio do Polo Sul e o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), um grupo de 66 antenas localizadas no Chile.

   O ALMA intensifica dez vezes a acuidade do EHT, permitindo que veja objetos tão pequenos quanto uma bola de golfe na Lua — e assim obtém imagens dos surpreendentemente pequenos horizontes de eventos nos dois buracos negros.

   Após anos a debater as políticas sobre a observação do tempo e a equipar cada local com parafernália eletrónica essencial, a equipa estava unicamente à mercê de algo sobre o qual eles não tinham controlo: a meteorologia.

   * Embora o nome sugira o vazio, os buracos negros são os objetos mais preenchidos no universo devido à enorme força de atração gravitacional. Os buracos negros estelares, formados pelo colapso de estrelas gigantes, podem compactar a massa de dez sóis no tamanho da cidade de Nova York. Os buracos negros supermassivos no centro das galáxias podem ter a massa de mil milhões de sóis. A sua origem continua a ser um mistério.


SAGITÁRIO A*

Em 1974, os cientistas descobriram uma fonte muito compacta de ondas de rádio provenientes de uma região da constelação de Sagitário, a 26 000 anos-luz da Terra.  Apelidado de Sagitário A* (Sgr A*), esta fonte é agora conhecida por ser um buraco negro supermassivo no centro da nossa galáxia, cujo peso é superior a quatro milhões de sóis.

1. A singularidade:  de acordo com as equações de Einstein, no centro de um buraco negro, está a totalidade de massa de uma estrela que se colapsou num ponto infinitamente denso e sem dimensão chamado singularidade. Provavelmente, as singularidades não existem de verdade, mas apontam para uma falha matemática na nossa compreensão da gravidade.

2. Horizonte de eventos: o horizonte de eventos, que se estende em cerca de 13 milhões de quilómetros em torno de Sgr A*, é a fronteira além da qual nem mesmo a luz consegue escapar à gravidade do buraco negro.

3. Limite estático: a rotação de um buraco negro pode distorcer o espaço, acelerando ou abrandando a matéria que orbita nas proximidades. O limite estático é a órbita na qual os objetos que viajam à velocidade da luz contra a rotação do buraco negro parecem ficar imóveis.

4. Disco de acreção: um disco giratório de gás superaquecido e poeiras que roda a uma velocidade próxima à velocidade da luz em torno de Sagitário A*. O disco emite calor, ruídos de rádio e raios X luminosos, mas é tranquilo em comparação com discos de acreção de outras galáxias.

5. Jatos de raios X: apesar de hoje estar um dia tranquilo, o Sagitário A* pode ter alimentado uma estrela ou nuvem de gás com cem vezes a massa do sol há cerca de 20 000 anos. Esta refeição produziu jatos de raios X que explodem para fora dos polos do buraco negro, que são inclinados 15 graus a partir do plano da galáxia.
 

Os astrónomos observam estes buracos negros em ondas de rádio milimétricas, a banda com o comprimento de onda em que a luz pode penetrar as densas concentrações de gás e poeiras no centro da galáxia e viajar de forma relativamente livre para a Terra.

Mas a água absorve e emite ondas de rádio, o que significa que a precipitação confunde as observações.

Para minimizar este problema, são colocados radiotelescópios em altitudes elevadas — no topo de uma montanha ou no planalto elevado de um deserto —,  mas as nuvens, a chuva ou a neve que surgem podem causar o encerramento de um observatório. Os fortes ventos nestas atitudes elevadas podem, também, desligar um telescópio.

“A probabilidade de existirem boas condições meteorológicas em todos os locais é praticamente nula”, afirma Fish.

Tendo apenas cinco noites disponíveis durante o período de observação, Fish e os seus colegas encontraram-se diariamente para tomarem a angustiante decisão de ativar ou não a rede, fazendo malabarismo com as informações relativas às atuais condições meteorológicas em cada local e à probabilidade de essas condições sofrerem alterações nos dias seguintes. A partir das instalações do MIT, Fish esteve permanentemente a monitorizar as condições meteorológicas de cada local num monitor e a comunicar com os astrónomos noutro.

“É verdadeiramente devastador se escolhemos uma noite e o [mau] tempo obriga a cancelar ou se cancelamos as observações numa noite em que acabam por existir boas condições atmosféricas”, refere Shep Doeleman, diretor do Event Horizon Telescope, no Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, em Cambridge, Massachusetts.


EM FORMA DE AMENDOIM

Agora que os cinco dias de observações válidas estão completos, os astrónomos têm de esperar muito — e dedicar meses à análise — até descobrir se conseguiram obter um retrato do buraco negro.

Cada observatório regista uma quantidade tão grande de dados que não é possível transmiti-los por via eletrónica. Por isso, a informação recolhida a partir de todos os telescópios — equivalente à capacidade de armazenamento de dez mil computadores portáteis — foi registada em 1024 discos rígidos. Os discos serão enviados por correio para os centros de processamento do Event Horizon Telescope, no MIT Haystack, e para o Max Planck Instituto Max Planck de Rádioastronomia, em Bonn, na Alemanha.

Os discos rígidos do telescópio do Polo Sul não podem ser enviados até o inverno terminar naquele local, no fim de outubro.

Assim que os dados chegarem aos centros de processamento, vários servidores realizarão a importantíssima tarefa de combinar os sinais datados provenientes dos oito observatórios. A comparação e combinação das ondas de rádio devem ser executadas com extremo cuidado, para que a informação crucial sobre o tamanho e a estrutura do horizonte de eventos não se perca quando forem agrupadas.

A técnica de combinar ondas de rádio, conhecida como interferometria de base muito longa, é bastante comum em radioastronomia. Mas normalmente não há um número tão elevado de telescópios nem estão dispersos por uma área tão grande.

“Estamos a tentar criar coesão numa rede do tamanho do globo, o que, se pensarmos bem, é algo incrível”, refere Doeleman.

O que os astrónomos esperam ver no final de agruparem todos os sinais é um halo de luz que rodeia um círculo escuro — a sombra do buraco negro. O aumento de luz provem de gases luminosos, aquecidos centenas de milhares de milhões de graus, que orbitam na área exterior junto ao buraco negro, junto à fronteira do horizonte de eventos.

Algumas simulações sugerem que o halo pode ser mais luminoso e mais espesso de um lado do que do outro, com uma forma parecida à de “um amendoim que não é de todo perfeito”, afirma Falcke.

Se eles não conseguirem gerar uma imagem depois desta corrida de observações, Doeleman e os seus colegas já têm planos para tentarem outra vez no próximo ano, com uma rede de radiotelescópios ainda maior.

“Nos próximos dez a 50 anos, deveremos ainda ser capazes de capturar imagens nítidas quando alargamos a rede a África e, por fim, ao espaço” afirma Falcke.

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