Análise do Comportamento versus Psicanálise - JC Todorov
Três artigos recentes na seção Tendências/Debates da Folha de São Paulo tratam de abordagens para o tratamento de crianças autistas. Nilde Franch escreveu “Autismo e Psicanálise”, Del Rey, Vilas Boas e Ilo escreveram “Análise do Comportamento e Autismo”, e Vera Regina Fonseca escreveu a tréplica, Questão Complexa, Abordagem Ampla”. Os três textos só esclarecem quem não precisa ser esclarecido. Os argumentos parecem mais voltados para uma disputa de mercado, do tipo “Minha abordagem lava mais branco”. Como o texto da Dra. Vera Regina Fonseca pretende resumir, ressaltar ou rechaçar argumentos dos anteriores, comento aqui partes de seu artigo.
No autista, o resultado é uma dificuldade básica em se relacionar com as pessoas, o que o impede de usar a ligação com os pais para a regulação emocional..”. Isso não é um fato; trata-se no máximo de hipótese de trabalho, algo a ser comprovado empiricamente. Será mesmo que a “mãe-geladeira”, a mãe que rejeita o bebê e não estabelece laços emocionais com a criança é uma das causas do autismo? Se isso é fato, como detectar a futura mãe-geladeira nas mulheres grávidas? Como prepara-las, por meio de terapia, para a futura tarefa de cuidar do bebê humano?
Por meio de recursos técnicos próprios, o trabalho psicanalítico objetiva reativar os caminhos do desenvolvimento relacional e compartilhar estratégias com os pais. Aviso aos distraídos: a autora não está falando do método terapêutico psicanalítico associado ao termo Psicanálise. Trata-se de psicoterapia convencional baseada na teoria psicanalítica da personalidade. Para uma avaliação de resultados há que descrever quais são os métodos técnicos próprios, dizer como constatar empiricamente a reativação dos “caminhos do desenvolvimento relacional” e descrever as estratégias a serem compartilhadas com os pais. Atacar essa abordagem “psicanalítica” do autismo achando que se trata da técnica tradicional desenvolvida por Freud é dar um tiro no pé.
Um dos argumentos da réplica é que as estereotipias do autismo se devem à falta de repertório e de integração. Existe tal déficit, mas ele é secundário ao prejuízo central na capacidade de se relacionar. Outra hipótese de trabalho; não há constatação empírica. O que vem primeiro, o prejuízo central devido ao desenvolvimento atípico do sistema nervoso ou a falta de interações adequadas com o ambiente físico e social? Ou os dois fatores são secundários a um desenvolvimento atípico da integração dos órgãos sensoriais? Na falta de respostas baseadas em constatação empírica, há que evitar diagnósticos preconcebidos por qualquer teoria e tratar cada caso como se fosse único; a priori nenhuma aprendizagem é impossível. Lembrem-se que autismo não é nome para diagnóstico, apenas resume o que se entende por um espectro que abrange uma variedade de “sintomas” ou “comportamentos inadequados”.
“... não é possível uma “religião” que determine a exclusão da psicanálise de um campo no qual ela tem 90 anos de experiência, já que Melanie Klein trabalhou com sucesso uma criança autista na década de 20, antes até da descrição feita por Leo Kanner.” Parece que a “religião” mencionada é a Análise do Comportamento. Reconheço que um ou outro analista do comportamento dentre os que conheço costuma se apresentar como profeta, mas lembro que a exigência de comprovantes empíricos do resultado da terapia não foi inventada por nós. Isso é coisa do povo americano, que costuma cobrar resultados daquilo que é feito com o dinheiro deles.
Como se constata na leitura da série de três artigos, há vários aspectos comuns nas duas abordagens no que se refere ao autismo. Ambas concebem os transtornos do espectro autista como decorrentes de fatores genéticos e de desenvolvimento da interação com o ambiente, dos quais pouco se sabe. Para saber mais seria melhor evitar a disputa de mercado e trocar sabedorias e informações.
João Claudio Todorov, analista do comportamento, é Professor Emérito e Pesquisador Associado da Universidade de Brasília.