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Eleições e emoções: entrevista com Gilberto Godoy no G1

Enviado por Gilberto Godoy
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'Esta eleição tem sido dominada por medo e raiva', diz o psicólogo Gilberto Godoy, presidente da comissão de ética do Conselho Regional de Psicologia do DF; leia entrevista completa abaixo.

Faltando poucos dias para o segundo turno das eleições de 2018, sentimentos negativos se acumulam na vida dos eleitores – qualquer que seja a posição ideológica. A pesquisa Datafolha do último dia 2 de outubro confirmou, em números, a impressão gerada pelas redes sociais, pelas conversas de bar e até pelos já temidos "grupos da família".

O levantamento fez o seguinte questionamento para 3.240 eleitores de 225 municípios:

"Quando pensa no Brasil de hoje em dia, você se sente: tranquilo ou com raiva; animado ou desanimado; com medo ou com confiança no futuro; triste ou feliz; seguro ou inseguro; com mais medo ou com mais esperança".

As respostas mostraram que há uma onda de tristeza e desânimo dominando o dia a dia da população. Dos entrevistados, 88% se declararam inseguros, 79% tristes, 78% desanimados, 68% com raiva, 62% com medo do futuro e 59% com mais medo do que esperança.

A violência atingiu as campanhas de modo simbólico e físico – como no atentado contra Jair Bolsonaro (PSL) e nas denúncias de agressão por posicionamentos políticos. Desde então, não são poucos os relatos de medo e angústia.

Diante desse cenário, o G1 entrevistou o psicólogo Gilberto Godoy, presidente da Comissão de Ética Profissional do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal. Segundo o especialista, nos últimos meses, inúmeros pacientes têm se queixado sobre os rumos das eleições no país.

À reportagem, o especialista falou sobre os seguintes temas:

1. Efeitos psicológicos de uma eleição tensa e polarizada;

2. Nível da ansiedade gerada pelos debates;

3. Relação do excesso de informação e o aumento da ansiedade;

4. Medo do futuro;

5. Marcas deixadas pelas brigas sobre política entre amigos e familiares;

6. Caminhos para amenizar as emoções decorrentes das eleições.

Confira, abaixo, a entrevista com Gilberto Godoy:

G1: Quais são os efeitos psicológicos de se acompanhar uma eleição tensa e polarizada como essa?

Gilberto Godoy: Um período turbulento como esse, onde as questões sociais e eleitorais tomam um volume emocional muito alto, altera a vida das pessoas. Faz com que elas não consigam lidar bem com os seus sentimentos.

Para viver bem, é preciso que a gente entenda as emoções. A gente tem muitas, mas existem quatro que são básicas: medo, raiva, tristeza e alegria. E essas emoções, muitas vezes, se misturam.

G1: E quais são as emoções mais comuns em tempo de conturbações eleitorais?

Godoy: Medo e raiva. Algumas vezes, tristeza. Mas a tristeza está muito mais associada ao momento de decisão, da derrota.

"De um modo geral, a gente está vivendo hoje duas grandes emoções que se misturam – e, por isso, tanta gente briga –, que são a raiva e o medo. "

Todos os que trabalham com campanhas publicitárias sabem disso. Eles fazem campanhas de forma a incitar medo e raiva nas pessoas.

Então, no fim, as não pessoas não votam por programas. As pessoas votam por medo e por raiva. E na vigência de uma grande emoção, como a raiva ou o medo, elas tendem a fazer escolhas enviesadas.

G1: E essa exposição constante ao medo e à raiva não gera efeitos colaterais?

     ( * Saiba mais sobre emoções no site da Clínica Brasíila de Psicologia:  www.cbrasilia.com.br )

Godoy: Sim, vários. Entre eles, a agressividade. E aí você começa a ver as pessoas excluindo os outros das redes sociais, brigando nas ruas e até matando.

O medo e raiva geram ainda um outro tipo de comportamento que a gente chama de "fuga esquiva". As pessoas fogem, saem de grupos, tendem a não enfrentar essas situações.

Uma outra consequência é o medo de ter medo, que é a ansiedade. E esse medo tem gradações. Outro efeito psicológico também é a insegurança, é o isolamento. O que a gente já ouviu de gente falando "se tal candidato ganhar, eu vou embora do país"?

"As pessoas acabam fugindo do contexto, porque, às vezes, incomoda, dói." Lembro de uma paciente minha que dizia assim: “Eu não posso nem ouvir a voz de um tal candidato, porque dói lá na minha alma". Aquela figura se tornou tão aversiva, tantas associações foram feitas, que a voz dele doía.

G1: Pela sua experiência, a ansiedade gerada por essa eleição é mais severa que as anteriores?

Godoy: Posso falar a partir das minhas impressões pessoais, de psicólogo clínico. Nesses 24 anos de experiência, até então, eu não tinha presenciado uma eleição tão polarizada com relação às emoções.

Tenho recebido muitas queixas no meu consultório sobre o cenário político. Pacientes me perguntam, principalmente, como lidar com a intolerância de amigos e parentes. Como lidar com comportamentos tão radicais, intolerantes, sobretudo em grupos de WhatsApp.

"Os sentimentos se misturam, nunca são genuínos. Tem paciente meu que não está conseguindo dormir. Tem pai que está brigando com o filho."

Nesta semana, eu atendi uma mãe, que ela e o marido votam em um candidato, e os três filhos votam em outro candidato. E eles estão enfrentando uma briga em casa.

E o problema é que as pessoas não discutem ideias. Em eleições, as pessoas discutem emoções, impressões. Elas discutem fantasia – questões mais do plano emocional do que do plano racional.

As pessoas não discutem plano de governo. Discutem que um é bom, e o outro é mau. Que um presta, e o outro não presta.

Eleições, no fundo, são um grande BBB [Big Brother Brasil]. Infelizmente, as pessoas estão votando com base nas emoções.

G1: O bombardeio de informações – e de notícias falsas – ajuda a aumentar a ansiedade?

Godoy: Eu vejo que, muitas vezes, mais atrapalha do que ajuda. Não ter informações é muito problemático. Só que, em um ambiente com muitas informações, você não sabe qual informação selecionar.

Hoje, a gente recebe 200, 300 mensagens por dia no WhatsApp. Quais são "fake news"? Quais são consistentes? Às vezes, 9 em cada 10 mensagens que a gente recebe têm um tom de raiva ou de paixão.

"Existe um fenômeno interessante na psicologia clínica, chamado 'falsa memória'. As pessoas, de tanto caírem no autoengano, esquivarem de si mesmas e varrer a sujeira para debaixo do tapete, acabam contando para si mesmas histórias que elas passam a acreditar. "

Então, lá pelas tantas, a pessoa está falando sobre a vida dela, algo que ela nem sabe mais se aconteceu ou não. Se a mãe fala para o Joãozinho: “O lobo vai te pegar, o lobo vai ter pegar...” Depois de falar 30 vezes, só de mencionar a palavra lobo, Joãozinho já está com medo.

O medo não é um sentimento que devia mover as pessoas. É um jeito de tentar estabelecer um ponto ao qual eu me fio, para tentar amenizar de alguma forma a angústia.

G1: Nas próprias campanhas dos candidatos e entre as conversas dos eleitores, há a menção do "medo pelo futuro". Qual o impacto disso?

Godoy: Bem, para que a gente tenha uma boa vida, a gente precisa se sentir seguro. Em qualquer contingência em que você estiver se sentindo inseguro, você vai ter problema com relação ao futuro.

"O medo é muito útil e foi importante para o desenvolvimento da espécie. A questão não é o medo, é o realismo do medo. Por exemplo, é normal você ter medo de avião. O problema é o que você faz com o seu medo."

No entanto, em algumas pessoas, esse medo passa a impedir comportamentos e faz com que a pessoa fuja de situações. Tem gente que vive um trauma social e diz que “nunca mais vai votar”.

As consequências, às vezes, são terríveis. Há muitos subprodutos do comportamento do medo, como diminuição do repertório e o comportamento de fuga e esquiva da realidade social.

G1: Muitas eleitores brigaram com família e amigos por causa dessas divergências. Passado esse período, é possível reconstruir as relações?

Godoy: Com toda certeza. Mas essas divergências causam cicatrizes, da mesma forma que um trauma em uma criança de 2 anos também deixa marcas. Essas cicatrizes podem durar anos, décadas.

Hoje mesmo, a gente tem marcas de movimentos que aconteceram na década de 1960.

Não vai ser fácil lidar com esses radicalismos, essas paixões. Mas a história tem um movimento de autocura, e os movimentos vão se autocorrigindo. E, por fim, as relações voltam a ser reconstruídas.

G1: O que a pessoa pode fazer para amenizar essas emoções decorrentes das eleições?

Godoy: Trabalhar com os elementos que você tem na sua vida. Buscar ajuda terapêutica, clínica. Procure informações relevantes, contextualizadas, os projetos de seus candidatos. E evite pular para o futuro, antecipando possíveis catástrofes. Isso aumenta ainda mais a ansiedade.

Digo, ainda, que é necessário tentar se adequar à realidade que você está vendo. A montanha não vai sair do lugar para você atravessá-la. Você vai ter que aprender a desviar da montanha para seguir o seu caminho.

"A questão é saber como você se adapta a isso, de uma maneira inteligente. É importante as pessoas terem consciência de que não adianta fugir da realidade. Não adianta não votar. Não adianta votar em branco."

Gosto muito da frase: "Faça o melhor que você pode com aquilo que você tem". A vida é assim. A vida exige um certo grau de adaptação com a realidade social.

   Link do site da Globo no G1:

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2018/10/14/eleicao-tem-sido-dominada-por-medo-e-raiva-diz-psicologo-leia-entrevista.ghtml

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