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O que aprendi quando parei de reclamar - Alberto Brandão

Enviado por Gilberto Godoy
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   Quando foi a última vez que você reclamou? Tenho certeza que faz bem menos tempo do que você lembra.

   Ao longo de 21 dias me policiei como poucas vezes precisei fazer em minha vida. Não é exagero. Ficar sem reclamar por tanto tempo exige uma quantidade absurda de força de vontade*.

   Para conseguir passar por esse processo, foi preciso analisar todas as palavras que saiam da minha boca. Nada poderia sair por impulso, era necessário respirar fundo e segurar a língua.

   Este experimento faz parte de uma série de outros que pretendo conduzir ao longo do ano, tentando expor minha mente e corpo ao processo de autoexaminação, observando possíveis alterações e registrando o que pode servir de aprendizado.

   Fiz outro texto enquanto ainda estava no meio do processo, não diretamente para relatar minhas experiências mas para falar sobre os impactos psicológicos da reclamação. Este aqui é o texto onde relato de forma mais detalhada como foi ficar 21 dias sem reclamar.

   Definindo o experimento

   Uma das dificuldades iniciais que encontrei ao propor este experimento foi especificar o que poderia ser considerado uma reclamação. Essa dificuldade surgiu com muita força logo nos primeiros dias e, como estava fazendo um relato público dos meus resultados e reflexões, foi necessário declarar às pessoas exatamente o que era uma reclamação dentro daquele cenário.

   Considerei reclamação todo tipo de comentário com fins depreciativos, fofocas e críticas que não apresentam um caráter construtivo. Pelo menos ao longo do meu teste, ficou evidente que críticas não são reclamações, mas se feitas sem uma direção para que o alvo tenha onde agir, é o que se tornam.

   Outro artifício que surge, principalmente quando estamos evitando reclamar, é a aplicação do sarcasmo e da ironia como forma de expor uma insatisfação. Para entender melhor ao que me refiro, imagine que você acaba de ser fechado por um carro que saiu de uma via coletora, quase causando um acidente.

   Se pudesse reclamar, provavelmente teria dito algo como:

-  Seu *%&$!!! Tá maluco, porra?!

   Utilizando a figura da ironia para substituir a reclamação, teríamos algo como:

-   Tá sabendo legal aí, gênio.

   Se quisermos racionalizar, podemos concluir que a ironia acima não foi uma reclamação, mas ela tem origem no mesmo reflexo, é apenas uma resposta negativa direcionada à um evento desagradável. Por isso decidi incluir ironia e sarcasmo no pacote da reclamação, já que são um fácil recurso para contornar as limitações impostas.

   No entanto, é importante destacar que críticas construtivas são necessárias para o funcionamento social e para resolver problemas do cotidiano.

   O objetivo de ficar sem reclamar não é - em hipótese alguma - tornar-se mais passivo em relação aos problemas da vida, mas o total oposto, direcionando o foco para formas de comunicação e ações que realmente solucionem as dificuldades.

   A primeira coisa que notamos, logo no primeiro dia sem reclamar, é que não podemos mais falar sem pensar. Se fizermos isso, falharemos no experimento sem nem perceber. Eu me tornei consideravelmente mais fechado e introvertido ao longo do experimento. Permanecia calado grande parte do tempo, principalmente perto de grupos com muitas pessoas.

   Já falei um pouco disso no texto sobre o hábito de reclamar, então não vou me aprofundar tanto por aqui, mas em resumo, nosso cérebro funciona mais ou menos assim.

   Dividimos nosso pensamento em duas formas distintas: a primeira é o chamado Sistema 1, que abrange tudo que temos automatizado, quando não precisamos pensar muito para executar. A segunda forma é o Sistema 2, que é mais lento e exige um certo esforço. Lembre-se da última vez que trocou seu número de telefone. Logo de começo era um tremendo esforço lembrar de cada um dos números. Depois de um tempo vai ficando mais fácil, até que um dia o número surge automaticamente na cabeça, sem precisar pensar para lembrar.

   É assim que nossos pensamentos são automatizados. Com a repetição vai se tornando cada vez mais natural, até que simplesmente sabemos, sem precisar pensar sobre aquilo.

   O mesmo acontece com as reclamações. Quando reclamamos de alguém que nos fechou no trânsito logo quando aprendemos a dirigir, é uma reclamação autêntica, paramos para pensar e apontamos o erro. Com o passar dos anos vamos automatizando essa ação, nos tornando o Senhor Walker no desenho "Motor Mania".

   Então, por mais que fosse minha vontade, era impossível não pensar na reclamação. O mais prudente acaba sendo ficar calado, respirar fundo e não abrir a boca enquanto o impulso não desaparecer.

   A parte boa é que o processo inverso também ocorre. Quando deixamos de verbalizar nossas reclamações de forma automática, esses impulsos acabam se tornando cada vez menores e menos frequentes. Na última semana de experimento, por exemplo, tudo já estava bem mais fácil do que no começo.

   Um pensamento abre portas para outros

   Quando algo ruim acontece e passamos a reclamar, é muito comum que fiquemos presos nesse estado de espírito. Se acordei com alguém fazendo muito barulho na rua e comecei a reclamar disso logo cedo, é bem possível que eu reclame de outras coisas no caminho para o trabalho, durante minhas atividades e vá repetindo o comportamento até o fim do dia. É como uma corrente de pensamentos, quando nos permitimos puxar o primeiro elo, outros acabam vindo na sequência.

   Ficou muito claro que, ao inibir uma reclamação, em poucos minutos eu já não lembrava mais do ocorrido.

   Isso é o que Daniel Kahneman, autor de "Rápido e Devagar, duas formas de pensar" chama de efeito âncora. Pensamentos anteriores se tornam uma influência subconsciente para decisões futuras. É essa mesma psicologia que o marketing utiliza quando anuncia um produto de 599, por 299. Você pode não saber quanto o produto realmente custa, mas agora, mesmo que resista, acredita que está barato. Sua mente ficou ancorada no preço maior, mesmo que o produto nunca tenha custado 599.

   O experimento é viciado

   Uma das coisas que só me dei conta ao final dos 21 dias, é que o experimento é viciado. É bem possível que qualquer pessoa que tente passar pelo mesmo processo chegue a conclusões positivas.

   O processo não é perfeito e em muitos momentos nos deixa uma sensação de impotência. Como humanos, sentimos uma profunda necessidade expressar nossas insatisfações, até porque nem todas elas são frívolas, muitas são legítimas e necessárias. Quando nos deparamos com algo que precisamos reclamar mas não temos essa liberdade, a sensação é horrível, surgindo o impulso de reclamar do próprio experimento.

   Aí que surge o vício. Como também não podemos falar dos problemas em não reclamar, acabamos deixando passar, e no final de tudo, já não incomoda mais. Quando fechamos a conta do que existiu de ruim, normalmente esquecemos o detalhe de que o próprio experimento cria situações desconfortáveis (como aconteceu comigo), já que não nos ancoramos nesses pensamentos.

   Se não podemos reclamar, precisamos agir. Talvez esse tenha sido o principal aprendizado que tive ao longo desse teste. Por incontáveis vezes, me vi em situações onde me restavam apenas duas escolhas: reclamar ou agir.

   Meu horário de ir para academia é por volta de 9 horas da noite. Quando estou com preguiça, o modus operandi é listar e reclamar de todos os problemas que encontro no processo. Preciso procurar a roupa, está chovendo ou está muito quente. As pessoas ficam medindo uns aos outros, os professores pressionando alunos para pegar mais pesado, a recepcionista é sempre mal educada, estou com muitas dores do treino anterior e a lista só vai crescendo.

   Quando não estava reclamando, este tipo de pensamento era eliminado logo na raiz, não permitindo me aprofundar nas lamúrias. Assim, só me restava levantar e ir para academia. Parece simplista dizendo assim, mas ao longo do período sem reclamar, não falhei na dieta nenhum dia, fui para academia sem falhas e estudei com uma frequência maior do que em outros períodos. Também reformulei meu blog pessoal e coloquei inúmeras outras tarefas atrasadas em dia, tudo por não poder reclamar.

   Quando não podemos fazer alguma coisa, nos tornamos excelentes em identificar o comportamento proibido.

   As pessoas reclamam basicamente por tudo, o tempo todo. Utilizamos reclamações como forma de nos aproximar de pessoas, para quebrar um silêncio desconfortável e até para nos fazer parecer mais inteligentes. Reclamação é um artifício de linguagem muito recorrente nas relações humanas, e ver isso de fora é bem doloroso.

   Uma moça entrou comigo no elevador, ficamos calados e logo ela solta "nossa, mas como está quente hoje!" Na fila do supermercado, um rapaz inquieto parado atrás de mim puxou assunto "Está impossível morar nessa cidade, não tem estacionamento em lugar algum". Na saída do cinema várias pessoas discursavam sobre o problema do som, as falhas do diretor, a temperatura do ar condicionado, e até mesmo que a cadeira era confortável demais.

   Quando não podemos entrar nessa dança, ficamos muito sensíveis, a sensação é de que todo mundo só reclama o tempo todo. Passamos então a querer reclamar da reclamação alheia.

   Aprendi muito sobre meus impulsos

   Como conclusão do experimento, sinto que o ponto mais importante é entender como somos impulsivos. Como muitas vezes falamos sem pensar e agimos sem ponderar as consequências de nossas ações. Quando acrescentamos uma limitação como essa, somos forçados a entender o que fazemos, refletindo sobre a origem e consequência de cada uma das palavras que falamos.

   Automatizar comportamentos positivos é algo bom, mas quando só agimos no automático acabamos perpetuando hábitos muito nocivos, tanto para nós, quanto para as pessoas ao nosso redor.

   O experimento durou 21 dias, mas os principais aprendizados vem logo na primeira semana. As duas últimas se tornam apenas um teste de resistência. Se alguém quiser reproduzir esse teste, não é necessário passar pelos 21 dias, hoje acredito que uma ou duas semanas já sejam o suficiente para criar boas reflexões.

     Fonte: blog Papo de Homem, indicação de Deivid Antonio, psicólogo

 

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