Willliam Shakespeare - 450 anos de sonhos
Aniversário de 450 anos do nascimento de Willliam Shakespeare (1564-1616). Sua obra é mais atual do que nunca. Na capital britânica, os festejos estão apenas começando. Autoridades acabam de anunciar que o currículo escolar tornará obrigatória a inclusão de pelo menos duas peças inteiras do bardo, como ficou conhecido, para melhorar a formação da juventude. E nada menos do que quatro teatros exibem um dos mais conhecidos trabalhos do escritor, “Hamlet”. Uma delas tem o ator Jude Law na pele de Henrique V, numa montagem recebida com grande entusiasmo pela crítica.
Se foi mesmo Shakespeare o autor de todas as 38 peças atribuídas à sua pena — há quem se pergunte até hoje se, de fato, ele existiu, o que o escritor, especialista no Bardo, e amigo Theófilo Silva não pode nem ouvir falar — ou se seria bissexual, como apontariam muitos de seus sonetos e peças, tudo é motivo para falar dele. Especialistas do mundo inteiro não se cansam de buscar novos ângulos sobre o autor à luz da epistemologia, da representação e da semiótica. Muitos se perguntam como o criador de uma obra extraordinária pode ter tido uma vida aparentemente tão comum.
No livro “Where there is a will, there is a way” (Onde há uma vontade, há um caminho, em tradução livre), a especialista em Shakespeare Laurie Maguire, professora de Língua Inglesa e Literatura da Universidade de Oxford, tenta explicar por que este filho de Stratford-Upon-Avon segue sendo um dos mais importantes e populares autores do mundo. Segunda ela, o autor do século XVI reflete sobre questões universais, que afligem a sociedade ainda hoje. Shakespeare, segundo ela, seria uma espécie de “guru” para a geração contemporânea. Na análise do crítico literário Harold Bloom, um dos maiores especialistas em Shakespeare, a nossa visão do homem foi moldada pela obra do escritor, sobretudo devido à complexidade de seus personagens.
" - A resposta para a atualidade de Shakespeare é uma pergunta: por que ainda estamos encenando tanto o autor?" — questiona Laurie. — O teatro não mostra o que não é relevante para as pessoas. Se estão levando Shakespeare aos palcos é porque ele continua a falar conosco até hoje.
Ciúmes, a batalha dos sexos, relacionamentos familiares, política, moral e ética, amor e morte estão entre os principais temas das obras de Shakespeare — e a complexidade com que os abraçou ainda impacta o público nos dias de hoje. Esta é uma das características que o diferenciam dos outros escritores da sua época, e determinam a sua permanência, na avaliação da professora.
" - Ele se interessava pelo homem comum" — resume Laurie. — É claro que o Rei Lear não é um homem comum. Mas a história dele é a de um pai, com o qual qualquer um pode se identificar facilmente, em crise de identidade. Sim, é uma situação extrema de um rei abdicando, mas é também a psicologia de um homem de idade, em transição, expondo as suas vulnerabilidades. Para a professora, Shakespeare, muito mais do que um cânone da alta literatura mundial, é também uma figura “transhistórica” e “transnacional”.
" - Outros 450 anos podem se passar e ele continuará atual" — afirma. — Todos têm ou perdem um amor, sofrem com as perdas. A não ser que o homem mude, Shakespeare não deixará de ser moderno.
A história do autor de “Macbeth”, “Otelo” e “Romeu e Julieta” é cheia de mistérios, lacunas e muitas suposições. Uma delas é a data do nascimento de “Gulielmus, filius Johannes Shakspere”, ou “William, filho de John Shakspere”, em inglês clássico. Estudiosos acreditam que o dia exato de seu nascimento tenha sido o 23 de abril de 1564. Mas esta foi uma conclusão a que chegaram depois de muitas pesquisas. Ele teria sido batizado no dia 26 de abril, uma quarta-feira, na Igreja da Santíssima Trindade, e, segundo os costumes da época, o registro deveria acontecer antes do domingo subsequente.
A diferença para a grafia do sobrenome da criança não era incomum para a época. Na verdade, de acordo com o Shakespare Birthplace Trust, entidade encarregada de estudar e guardar a memória de um dos maiores poetas do mundo, foram identificadas seis maneiras diferentes de se escrever o nome do autor a partir de documentos do passado: Willm Shakp, William Shaksper, Wm Shakspe, William Shakspere, Willm Shakspere, e, finalmente, William Shakespeare.
Embora seja considerada atemporal e universal por muitos especialistas, a obra de Shakespeare é também um produto de seu tempo. O teatro elisabetano podia ser ao mesmo tempo popular e erudito. Como precisava agradar um público de diversos níveis sociais e culturais, suas peças podem ser vistas em diversas camadas, do divertimento puro à profundidade filosófica. Se tivesse nascido na Itália ou na França, países com um conceito teatral diferente na época, é certo que Shakespeare não teria tanta liberdade para misturar comédia e tragédia, além de romper com outras convenções.
Talvez por isso, nem sempre Shakespeare tenha sido a unanimidade que é hoje. Esquecido no século XVII e ironizado por pensadores como Voltaire no século XVIII, voltou a ganhar força durante o romantismo, no século XIX. Em seu famoso ensaio “Sobre William Shakespeare”, o poeta francês Victor Hugo encontrou no bardo inglês um símbolo da luta romântica contra a ordem estabelecida e o bom gosto clássico, um artista capaz de unir o “teatro do Olimpo e o teatro de feira”, o grotesco e o sublime.
Sobre a obrigatoriedade de as crianças britânicas de 11 a 14 anos estudarem pelo menos duas peças inteiras de Shakespeare na escola para incrementar seu currículo, medida que já passa a valer a partir de 2014, Laurie hesita. Para ela, a melhor maneira de difundir o bardo e fazer os jovens entendê-lo está no teatro.
" - Eram textos para ser lidos pelos atores. Mais do que pelo livro, a melhor maneira de entendê-los é pelo teatro. É mais fácil. Por que não levar mais as escolas ao teatro?" — pergunta a especialista, que ainda recomenda a programação educativa da casa Shakespeare's Globe, uma reconstrução do elisabetano Globe Theatre, de 1599, e destruído em um incêndio.
Por sinal, a companhia de teatro que inspirou tantas outras dentro e fora do Reino Unido acaba de anunciar a nova temporada de 2014 repleta de comemorações pelo aniversário de Shakespeare. A grande novidade do grupo, contudo, é o desafio de levar "a todos e cada um dos países do mundo" a consagrada peça "Hamlet" numa longa turnê de dois anos que começa em abril do ano que vem. Sem entrar em detalhes, a assessoria de imprensa do teatro confirmou ao GLOBO o primeiro trecho da volta ao mundo, que inclui países da Europa e garantiu a passagem pelo Brasil.
Não é só o Reino Unido que comemora Shakespeare no ano que vem. Aos poucos, o mundo inteiro anuncia uma extensa programação para os festejos, que começam com o aniversário de 450 anos do nascimento e só termina em 2016, ano que marcará os quatro séculos da sua morte.
Fonte: O Globo / Instituto Gandarela