A insustentável leveza do ser - Milan Kundera
Poderações sobre "A insustentável leveza do ser" - Milan Kundera por Janete Rodrigues do blog Alma Prolixa
A leitura de "A insustentável leveza do ser" é uma experiência fascinante para aqueles que estão aptos a mergulhar na profundidade de todas as questões existenciais trazidas pelo autor. O enredo possui uma característica fundamental de todo bom texto, nos faz pensar. Assim, o fascínio que provoca não deve ser confundido com o prazer simples que um livro qualquer possa nos trazer. Aliás, aludindo à dicotomia, leveza/peso, que é o eixo da narrativa, digo que não é uma sensação de leveza que toma conta do leitor ao fim da história. Kundera nos convida para uma reflexão sobre a vida da qual seria bom que ninguém saísse ileso. A narrativa tem como ponto de partida o autor evocando a idéia do eterno retorno de Nietzsche. Não sem razão, já que é a filosofia nietzscheana que melhor traduz o espírito da época que vemos manifesto nos personagens, especialmente, Tomas e Sabina. O eterno retorno não deve ser entendido como o processo cíclico da história. É um mito e, por negação, pretende mostrar que a vida é uma só, essa é a sentença que pesa sobre os homens: “uma vez não conta, uma vez é nunca. Não poder viver senão uma vida é como não viver nunca”. Vive-se sem saber se as decisões tomadas são realmente as melhores, não tivemos outras vidas para comparar. Não poderemos fazer certo da próxima vez, porque não haverá uma próxima vez.
O romance tem como cenário a ocupação da Tchecoslováquia pela Rússia no ano de 1968, como contra-golpe à abertura democrática que fora proposta pelos intelectuais tchecos no movimento que ficou conhecido como a “ Primavera de Praga”. O sonho comunista tornou-se um pesadelo. É sob esse pano de fundo histórico que nos são apresentados Tomas, Tereza, Sabina, Franz e Simon. Tomas é um médico divorciado, cujo modo de vida consiste em não se apegar a nada. Seu objetivo é uma vida leve. Daí não sofrer com remorsos ao abrir mão da presença do filho, Simon, e de romper com seus pais que censuravam tal atitude. Entretanto, a leveza é ameaçada por Tereza, garçonete do interior, por quem, por uma série de casualidades sucessivas, acaba se apaixonando. Casa-se com Tereza, mas não abre mão de sua forma de viver, mantém casos extraconjugais, dentre os quais, destaca-se sua relação com Sabina, artista plástica que, assim como Tomas, não vê o mundo com o olhar dos crédulos. Na Suíça, lugar para o qual emigrou depois da ocupação russa, Sabina conhece Franz, mantém um caso com ele, mas não suporta o fato de que este possa, com seu amor, por abaixo a vida segura que construiu baseada numa visão cética da humanidade. Para Sabina, o que impera no mundo é o kitsch , a cegueira, a ilusão das ideologias que inculcam a possibilidade de um paraíso na terra; que negam a existência da “merda”.
Tomas e Sabina representam todos aqueles que têm os olhos abertos para enxergar que os ideais defendidos, inúmeras vezes com derramamento de sangue, não passam de artifícios para enfeitar a vida. Essa é a função do Kitsch, servir como um arremedo estético. Eles tipificam o indivíduo que vive no mundo desencantado, enunciado por Max Weber. O mundo que superou, por meio da racionalidade, o pensamento religioso. Contudo, o esclarecimento também é mito, como afirmam Adorno e Horkheimer, portanto, as raízes do desencantamento são mais profundas e o resultado disso é a frustração e, por conseguinte, o pessimismo. Perde-se a fé em Deus, na ciência e o que resta é apenas o que podemos fazer com nossa breve trajetória aqui, que Kundera, com seu niilismo, condena à falta de qualquer sentido.