Usa jeans e gosta de boteco o campeão de leitura da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. Também revela jamais ter adoecido ou se sentido sozinho desde que aprendeu a ler. A média do ilustre letrado nos últimos 50 anos é de oito livros por mês – cerca de 4.800. No primeiro semestre de 2012, já foram 50 títulos “devorados”, retirados no setor de empréstimo domiciliar, no prédio anexo do Circuito Cultural Praça da Liberdade. Em 2011, sem contar as compras em livrarias, sebos e endereços da internet, foram 105 livros. Clóvis José Ferreira, de 64 anos, é homem simples, de raízes populares, viajante, gourmet, pai, avô e morador do Bairro Santa Tereza, Região Leste da capital.
O leitor lista dezenas de autores de “escrita mais fácil”, acessíveis a qualquer sujeito de mínima boa vontade. “Qualquer livro ruim é melhor do que livro nenhum”, complementa. Explica detalhes da literatura de John Grisham, Dickens, Harold Robbins – “na minha época, considerado pornográfico”, diverte-se –, James Ellroy, Dennis Lehane, Michael Connelly, James Clavell, Taylor Caldwell, entre outros tantos que venceram a velocidade da escrita da reportagem. Em cada corredor, muitas histórias, mergulhos vividos pelo homem da vista incansável. “Leitura não faz mal para a vista, leio desde os 8 anos e até hoje não precisei usar óculos. Tem gente que duvida. Aí, pego o catálogo e leio as letras mais miúdas. Pelo contrário, ter aprendido a ler nas condições mais precárias, em movimento e com pouca luz, fez com que a minha visão até melhorasse”, considera Clóvis, que na quinta-feira comemora 65 anos.
Segue passeio pelas prateleiras e comenta romances de mais de mil páginas – alguns, lidos duas vezes. “Gosto mesmo das biografias. O que não leio são os “modismos”. Essa onda de vampiro, de lista dos 10 mais, não me pega. Não é a minha praia”, revela. Entre os brasileiros de que mais gosta, Clóvis destaca Guimarães Rosa, Benito Barreto, Agripa Vasconcelos, Érico Veríssimo, Jorge Amado… “precisa mesmo dizer? São tantos…”. Conta ter prazer com a literatura policial: “Os personagens são riquíssimos”. Com 6 mil em espécie, de Ellroy, com 850 páginas, explica: “Ele escreve de modo direto, cortante. Gosto muito”. Em novo corredor, aponta para as prateleiras: “Os ingleses descobriram o filão da Idade Média e se tornaram especialistas. Olhe só a quantidade de livros”.
Simpático, ele é muito querido. Maria Aparecida Costa Duarte, coordenadora do setor de empréstimo domiciliar, há 16 anos entre os livros da Praça da Liberdade, cita o microempresário como exemplo de bom leitor. “Entre os mais velhos, tem gente que apenas pega os livros emprestados. O Clóvis não. Ele lê muito. Gosta de ler”, ressalta. Ao ver o ilustre leitor alvo da câmera entre as estantes, a funcionária de sorriso bonito dispara: “Tá parecendo um galã, heim!”. Tudo baixinho, muito respeitoso. Estamos na biblioteca.
Tamanha intimidade alcançada com os continentes, levado pelas letras a conhecer a Europa e os Estados Unidos, para o aposentado pareceu uma nova visita. “Depois que me aposentei, passei 18 dias sozinho em Manhattan e parecia que eu conhecia a cidade. Não me senti um estrangeiro em Nova York. Talvez por todas as histórias lidas, passadas na ilha. Na Europa, me emocionei em Paris, diante do Arco do Triunfo. Portugal, nem posso dizer isso, mas chego a ver como o melhor da Europa”, sorri. Em meio às estantes, atende o telefone para tratar de negócios. Sem tirar o olho da prateleira, orienta o trabalho do outro lado da linha, saca um livro: Servidão humana, de William Somerset Maugham. “Este livro é fantástico. Li quando tinha 14 anos”.
Autor: Jefferson da Fonseca Coutinho, ator, professor, jornalista e escritor, designer, dramaturgo, preparador de elenco, professor de interpretação da PUC Minas e diretor de teatro.