Sai barato para quem mata
Alon Feuerwerker via Blog do Alon
Bons advogados (eles apenas fazem seu trabalho) serão perfeitamente capazes de usar, em benefício de quem pode pagar, os mecanismos teoricamente destinados a proteger quem não pode ser preso.
Faz refletir o monstruoso assassinato da estudante de Direito aqui em Brasília, morta pelo professor inconformado com o fim do relacionamento. Toda violência é reprovável e toda morte provocada merece um adjetivo forte, mas este caso vai além.
A má sociologia produziu entre nós um discurso intelectual predominante sobre a violência. Seria produto de causas macrossociais. Como a pobreza e a falta de acesso a bens e serviços trazidos pela civilização.
Inexistiria portanto uma maldade “não social”. A perversidade seria resultado do meio, das circunstâncias, do ambiente. É o pensamento trazido pelo extenso fio condutor iniciado lá atrás com a teoria do bom selvagem.
A coisa é conveniente, pois permite transferir a responsabilidade de modo seletivo.
Se o rico comete um crime, a culpa é dele mesmo. Como no caso do Porsche em altíssima velocidade no Itaim, em São Paulo. Mas se o criminoso é pobre, a culpa é da sociedade. Melhor dizendo, da elite.
Esse arcabouço intelectual apresenta alguns problemas. O primeiro é não bater com a realidade.
O mapa da pobreza não é o mapa do crime e da violência. Um exemplo? O Nordeste urbano foi nossa região cuja economia mais cresceu, onde mais se distribuiu renda nos anos recentes. E também onde mais aumentou a criminalidade.
Outro problema é a teoria oferecer um alicerce quase afetivo à condescendência com o crime. Este seria, talvez, uma forma primitiva de rebelião contra a injustiça. E portanto deveria ter reconhecido o vetor progressista.
Tudo isso é bem complicado, especialmente por exigir generalização. O Código Penal ainda não prevê, por exemplo, aplicação de pena maior para o homicida conforme o valor do contracheque. Então a condescendência tende a universalizar-se.
E bons advogados (eles apenas fazem seu trabalho) serão perfeitamente capazes de usar, em benefício de quem pode pagar, os mecanismos destinados a proteger quem não pode.
Convenhamos, tem algo bem errado nisso.
Quem entende do assunto garante: o problema não está na leveza das penas, mas na alta probabilidade de o criminoso escapar da punição. Recolho a opinião e respeito-a.
Entretanto, teorias à parte, matar alguém no Brasil acaba saindo relativamente barato para quem matou.
Há exceções, quando a comoção popular ultrapassa certas fronteiras e constrange as autoridades. Como no caso dos Nardoni. Mas não é rotina.
Qual seria uma pena razoável para o professor assassino de Brasília? Vamos deixar de lado a pena de morte, cujo debate traz questões filosófocas impossíveis de encaminhar hoje neste espaço de maneira minimamente razoável.
Mas, digam uma coisa. Algo justifica não aplicar neste caso pelo menos a prisão perpétua? Não seria vingança, mas equilíbrio. A perda da filha será perpétua para o pai humilde cujo sonho era ter uma advogada na família.
É uma polêmica difícil. Assim como a da idade na qual alguém finalmente pode ser responsabilizado pelos atos. A tal maioridade penal. Por que diferir o tratamento do sujeito de 17 anos e 364 dias e daquele só dois dias mais velho?
Sempre é possível extrapolar o raciocínio ao absurdo, e daí objetar que, sendo assim, uma criancinha deveria receber o mesmo julgamento do adulto plenamente formado.
Mas é diletantismo. Na prática, as quadrilhas têm seus próprios “menores” encarregados de aproveitar as brechas da lei.
Um debate infindável.
Mas enquanto se discute, segue a vida. Há a necessidade imperiosa de produzir uma nova moldura jurídico-social capaz de reduzir a probabilidade de alguém ser vítima de um ato criminoso.
Penas mais severas, menos atalhos jurídicos para escapar, mais bandidos presos. Não é tão difícil assim. Falta apenas quem não se deixe intimidar e esteja disposto a carregar a bandeira.