O Sistema que fecha - João Ubaldo Ribeiro
"É possível que evoluamos e, em passos relutantes e pouco decididos, consigamos deixar esse estado de coisas, mas é também possível que o sistema se reconfigure, para preservar a proteção aos que lhe são caros e para uso dos quais ele foi montado e aprimorado, numa história que se desenrola há séculos. Uma das reações do sistema, por exemplo, pode ser a criação dos embargos rotacionais, os quais, para usar o latinzinho adornativo de costume, serão chamados de embargos propter rotationem. Esses poderão ser apresentados pelos condenados em última instância, se, antes da execução da sentença, qualquer juiz vier a ser substituído, por qualquer motivo. Num passo adiante, poderemos instituir o embargo reviratório, que derroga todas as condenações, se mudarem quatro ministros, no mesmo prazo que o exemplo anterior. E, para dar um toque mais democrático, teremos o embargo divergente, que é quando o condenado, através de seu advogado, comunica ao tribunal que diverge frontalmente da sentença, ao fim do que recebe um prazo, com efeito suspensivo, de seis meses, prorrogáveis por mais seis, para coletar assinaturas em apoio da divergência. Claro que, para não vulgarizar a justiça, caberá recurso também dessa decisão, porque é para não resolver nada mesmo, a ideia é esta. Durante uma das últimas sessões do Supremo, um dos ministros comentou que, desse jeito, a justiça não fecha. Vejam como a percepção é afetada pela posição do observador. Do lado de cá, a impressão que muitas vezes se tem é de que ela já fechou há muito tempo."