Shakespeare e os Juízes - Theófilo Silva
A sentença é fulminante: “Num país onde os juízes roubam, os ladrões têm perfeitamente o direito de roubar”. Essa pérola foi produzida por William Shakespeare, e saiu da boca de um juiz, o senhor Ângelo, durante uma crise de consciência. Pertence a peça Medida por Medida, um dos tratados sobre Direito e Justiça escritos pelo bardo.
O paquidérmico, ineficiente, caro e corrupto Poder Judiciário brasileiro levou esta semana um duro puxão de orelhas. A corregedora nacional de justiça, ministra do STJ, Eliana Calmon, declarou em entrevista que esse poder “está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”. Quem disse isso foi a pessoa que deve corrigir – suprimir, emendar e punir – os juízes acusados de desvios de conduta. Trata-se, portanto, de alguém que fala com conhecimento de causa.
Essa denúncia tinha de vir de uma mulher, uma valente baiana, conhecida por sua franqueza e coragem de não tergiversar diante da iniquidade. Não é a primeira vez que ela dá declarações contundentes, para não dizer devastadoras, acerca dos vícios que acometem a justiça brasileira. Antes ela já tinha atacado a politicagem, o toma lá dá cá, que impera nas nomeações para os cargos de ministro de tribunais superiores.
Sejamos francos, nossa justiça tem uma dívida enorme com a sociedade brasileira, ela só atinge o andar de baixo, os chamados “tubarões” não são atingidos. É fato também que os tribunais superiores, já há muito tempo, estão desmoralizando o trabalho da polícia federal e do ministério público. Hoje, esses dois órgãos apenas cumprem a rotina constitucional, nada mais do que isso. Operações policiais que demoraram meses e até anos para serem montadas – a um custo elevadíssimo – são desqualificadas. Os corruptos são inocentados, processos são anulados e a PF e o MP ficam com a pecha de arrogantes, incapazes de montar uma denúncia. É duro para esses servidores!
Os vícios são diversos. Há uma relação de promiscuidade entre juízes e advogados; sentenças absurdas são decretadas; não há sensibilidade às questões sociais de grande importância para a sociedade, e por aí vai. Agora mesmo, os juízes estão aumentando seus salários – logo após se recusarem a cumprir a mesma jornada de trabalho comum a todos os brasileiros –, querem um salário maior do que o de um juiz da Suprema Corte Americana, sem contar os privilégios que são infinitamente maiores que os dos seus pares nos EUA. O judiciário brasileiro virou uma casta.
A luta agora é para destruir o CNJ que estava punindo os juízes ladrões – afastou 49 deles. No momento, 35 desembargadores são suspeitos de crimes e estão sendo investigados pelo órgão. No entanto, o presidente de uma associação de juízes afirmou que não existe um único juiz corrupto, e desafiou a sociedade a apontar um. Como se o CNJ não os tivesse apontando!
Diante da cristalina declaração de Eliana Calmon, o Presidente do STF partiu para cima da ministra exigindo retratação. Perdeu seu tempo. Eliana não arredou um milímetro. Pelo contrário, continuou no mesmo tom. Foi-se o tempo em que mulheres tinham medo de homens.
Juízes são funcionários públicos, iguais a militares, contadores, promotores, médicos, professores, enfim, seres humanos sujeitos aos mesmos erros e fraquezas. O diferencial é que eles são representantes do Estado, aplicadores da lei. E se esse aplicador da lei for bandido...
Ninguém duvida que a maioria dos juízes são honrados, trabalhadores, conscienciosos, mas existe uma minoria desonesta que causa um mal terrível a nação, e o CNJ está mostrando isso. Impedir que o CNJ puna os magistrados é permitir que juízes como o senhor Ângelo, personagem de Shakespeare, pertençam a categoria.
Theófilo Silva é articulista colaborador da Rádio do Moreno.