Waleska Borges, O Globo
Morador de rua tem cartão de crédito, conta bancária e faz da leitura o seu principal passatempo.
A imagem de um homem barbudo, deitado num colchonete na calçada, lendo sociologia, política e romances, não passa despercebida. O ar de intelectual e o raciocínio rápido tornam-se ainda mais surpreendentes quando se conhece a história dele. Há cerca de três anos, desde que deixou o Rio Grande do Sul, Márcio Pereira dos Santos, o Gaúcho, de 34 anos, não tem endereço fixo. Mora nas ruas e gasta, todos os dias, R$ 5 para tomar banho e comer. E, além do gosto pela leitura, Gaúcho tem conta no banco, cartão de crédito, conecta-se à internet - em lan houses - por redes sociais e recebe Bolsa Família - que, poucos sabem, mas também pode ser concedida a uma única pessoa que esteja abaixo da linha da pobreza.
Nas ruas do Rio, ele recolhe o que encontra pelo caminho, jornais e revistas velhos, com os quais aprende e relaxa.
- O livro é bom porque você confronta suas opiniões com as do autor e aprende. O livro também me faz relaxar - afirma.
Com os livros de sociologia que encontrou nas ruas, conta ter descoberto assuntos que ignorava completamente. No entanto, ele diz que já se interessava pelo trabalho social:
- No dia a dia da rua, a gente acaba entendendo como funciona a política social para os moradores de rua.
Gaúcho disse já ter passado por abrigos como o Centro de Acolhimento Plínio Marcos, em São Cristóvão, e o Hotel Acolhedor Santana II, no Centro. Ele contou que deixou o Sul de avião rumo a São Paulo. Partiu sem avisar os pais, logo depois de um café da tarde em família. Quando o dinheiro acabou, morou por nove meses em abrigos de lá, onde fez um curso de panificação e terminou a 8 série num supletivo.
No Rio, Gaúcho ainda não realizou um sonho: conhecer a Praia de Copacabana. O trabalho como ambulante - ele vende pipoca e biscoitos - tira o tempo dos passeios. Na última segunda-feira, a convite do GLOBO, ele visitou a Biblioteca Nacional, no Centro. Do bibliotecário Rutonio de Sant'anna recebeu elogios.
- Percebi que ele é aberto para ouvir e tem a sensibilidade de admitir o que não sabe - observou Rutonio.
Leia mais em O Glogo deste domingo 25 de setembro de 2011.