A cultura contra a geografia - Daniel Camargo
A História acontece nas latitudes. Essa foi a máxima do geógrafo e geoestratégico norteamericano Nicholas J. Spykman (1893-1943), usada para concluir seu entendimento de que os movimentos e processos históricos da humanidade se deram nas regiões de clima temperado do planeta, delegando às outras regiões, especialmente aquelas localizadas na faixa central do globo, um papel secundário no protagonismo do mundo.
A História, com letra maiúscula, com efeito, seu deu nos climas temperados. Da revolução agrícola à revolução comercial e científica. Da revolução industrial ao acúmulo do Capital. Muitas são as teorias. A que prefiro, por aspectos estéticos, diz que o ciclo perfeito e previsível das estações demarcaram os ciclos de semeadura, colheita, formação de estoques, comportamento, organização no tempo e movimentos políticos dos povos.
Se, por um lado, tivemos os movimentos da civilização desatados na zona temperada norte, é de se imaginar sua continuidade na zona temperada sul.
A Argentina é a herdeira previsível da civilização temperada. O país apresenta todas as qualificações: amplitude térmica, temperatura amena, terras planas e aráveis, estuário amplo, rios navegáveis, portos estratégicos e reservas de energia. De fato, despontou-se como um dos países mais ricos do mundo. Chegou a alçar a primeira posição per capita. Buenos Aires importava a arquitetura clássica de Paris, e exportava o cinema e o tango aos europeus.
Na ponta oposta, tínhamos o Brasil, que se prendia ao litoral e recusava-se a se interiorizar e vencer seu clima tropical, matas fechadas, temperaturas intensas e... Os mosquitos.
A densidade populacional das regiões tropicais do mundo se deram nos litorais ou nas altitudes. Os latino americanos subiram os Andes, os brasileiros refugiaram-se nas praias. A Africa subsaariana e o sudeste asiático ficaram à própria sorte. Nenhuma nação desse cinturão se despontou.
Afortunados pela geografia, traídos pela cultura, os argentinos viram suas vantagens definharem ao
longo da segunda metade do século XX e início do século XXI, a medida que sua população foi moldada pelo populismo característico de suas instituições. O país caminhou para a pobreza. Hoje, não sabe como lidar com seu próprio potencial e gradativamente perde suas ilhas de desenvolvimento.
O Brasil, por outro lado, venceu o cerrado. Avançou sobre regiões inóspitas e as transformou não apenas na única grande potência agrícola de clima não-temperado, como na maior fronteira potencial de terra arável e agricultável do mundo. A cultura brasileira avançou para o interior e dominou a natureza. O país, que importava seus alimentos há 50 anos atrás caminha para a ser o maior produtor e exportador de alimentos do mundo, com a maior matriz energética renovável.
A revolução agrícola brasileira é uma reinvenção da História, com letra maiúscula. Uma antítese para Spykman, e o início de um ponto de protagonismo relevante para o mundo.
Sobre o autor: Daniel Camargo é economista, consultor de várias empresas para assuntos de economia e negócios. Seu Canal do Youtube brevemente estará ativo.