A nova classe média e os direitos do consumidor
Bruno de Pierro, no Brasilianas.org da Agência Dinheiro Vivo
O crescimento de 7,5% do PIB em 2010, acompanhado da ampliação expressiva do mercado de consumo, que registrou alta de 7% do consumo das famílias no terceiro trimestre daquele ano, confirma o movimento de ascensão da nova classe média, incentivado por políticas que, nos últimos anos, tiraram milhares de famílias da miséria extrema e as possibilitaram acesso ao crédito. Para além do simples consumo, incentivos, como o do Bolsa Família, recuperaram a dignidade de brasileiros.
De acordo com dados divulgados recentemente pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), 2,227 milhões de famílias tiveram as transferências do programa canceladas devido ao aumento da renda per capita nos últimos oito anos. O número representa 40% dos ex-beneficiários (5,856 milhões), que não se enquadram mais no grupo com renda mensal de até R$ 70 por pessoa ou rendimento mensal na faixa entre R$ 70 e R$ 140.
A chegada de novos consumidores é, no entanto, acompanhada pelo desequilíbrio entre poder econômico e poder do cliente. Informações do Sindec – Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, ligado ao Ministério da Justiça – mostram aumento de 389% do número de atendimentos em 150 Procons do país. Em 2006, foram registrados 166.035 atendimentos de consumidores, com 71% das demandas atendidas. Em 2010, o número de atendimentos saltou para 812.472, sendo atendidas 68%.
Os atendimentos acompanham quase que proporcionalmente o crescimento das reclamações, deixando evidente um maior número de consumidores recorrendo ao Procon. Uma nova relação entre os recém-ingressos no mundo do consumo e as empresas e prestadores de serviço é o que está por detrás do fenômeno da judicialização dos conflitos do consumo.
Os índices mostram crescimento percentual das reclamações não-atendidas. Independentemente do número de atendimentos, a tendência é a de que os fornecedores estão resolvendo menos os problemas com o passar dos anos. É um indicador qualitativo e quantitativo, ao mesmo tempo. De apenas 18,32% em 2007, esse índice chegou a 31,39% em 2010 - um crescimento de 13,07 pontos percentuais (ou aumento de 71,34%, em termos relativos).
Um estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ), entre 2004 e 2006, mostrou como os Juizados Especiais Cíveis estão congestionados. A pesquisa envolveu nove capitais: Belém, Belo Horizonte, Fortaleza, Goiânia, Macapá, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo; e apontou 37,2% dos processos analisados originados em conflito de consumo.
Segundo o cientista político e gerente de comunicação do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Carlos Thadeu de Oliveira, além dos Procons, os Ministério Públicos e as associações de consumidores se tornaram “SAC” das empresas, representando uma transferência de custos para o Estado.
“De 812.472 demandas, 60,15% foram resolvidas mediante orientações ao consumidor ou telefonemas para as empresas. Poderiam ser resolvidos diretamente pelos fornecedores”, explicou Carlos Thadeu, durante apresentação no 16º Fórum de Debates Brasilianas.org, realizado esta semana em São Paulo. “E 54% das reclamações referiam-se a setores regulados, como telefonia, bancos, cartão de crédito, energia elétrica, planos de saúde, saneamento, transporte e gás encanado”, completou.
O representante do Idec afirmou que as áreas mais problemáticas são aquelas em que há forte expansão do consumo, principalmente celulares e eletroeletrônicos. “A questão é: os fornecedores estão qualificados para o novo patamar do país?”, provocou.
Carlos Thadeu disse acreditar que as empresas expandiram vendas e áreas comerciais, mas não as redes de atendimento. Segundo ele, o consumidor tem desempenhado o papel de motor da economia, “mas parece não significar nada além de um mero agente econômico pelas empresas”. Direitos básicos, como acesso à informação clara do produto ou serviço, são violados. E isso é muito evidente no setor financeiro.
O especialista destacou a necessidade de o consumidor ser informado sobre contratos que fecha com bancos e financeiras, para evitar vulnerabilidades. “Esse último preocupa de maneira especial, já que um dos componentes da crise financeira global foi a falta de proteção ao consumidor e regulação das atividades. São setores com uso intenso de tecnologia, mas que não é colocada a serviço da melhora de instrumentos para resolução dos conflitos de consumo”, comentou.
Parte do acesso à informação diz respeito à compreensão sobre o Código de Defesa do Consumidor, de 1990. Entre os artigos que definem os direitos básicos do consumidor, está a proteção contra publicidade enganosa e abusiva e a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações. Sem dúvida, desafios para o processo de politização do consumo.