As Cassandras e a bolha imobiliária - Ricardo Amorim
Em 2007, quando os preços dos imóveis começaram a cair nos EUA, surgiram as primeiras Cassandras vaticinando que em breve o destino brasileiro seria o mesmo. A lógica era simples: também aqui os preços já tinham subido muito, a expansão do crédito imobiliário tinha sido grande e as construtoras construíam como nunca. Lógica simples, porém errada. Todos os pontos eram verdadeiros, mas ignoravam o fator determinante para quem pesava os prós e os contras da compra de um imóvel. Mesmo que o Brasil estivesse no processo de formação de uma bolha imobiliária, em que ponto desse processo estaríamos? Passados sete anos, hoje ficou claro que apenas nos primeiros sopros.
Os preços dos imóveis subiram entre 150% e 1.000%. Portanto, teriam de cair entre 60% e 90% – o que é altamente improvável – apenas para voltar aos valores de 2007. Quem ouviu as Cassandras está esperando até hoje os preços caírem. Isso não significa que uma bolha imobiliária não possa estourar no Brasil no futuro. Aliás, a Cassandra original, a da mitologia grega, estava correta em suas previsões de catástrofe e desgraça em Troia. O problema é que estar certo muito antes da hora leva a decisões erradas.
Precisar quando uma bolha imobiliária vai estourar é impossível, mas bolhas não estouram antes de estarem suficientemente cheias, o que torna possível termos uma ideia, ao menos aproximada, se estamos perto ou ainda distantes do estouro. Por isso, desde 2007, publico anualmente artigos analisando a situação do mercado imobiliário, tentando responder se já haveria indícios de uma bolha próxima do estouro ou se os preços continuariam a subir.
Em meu último artigo, publicado há um ano, assim como em todos os anteriores, concluí que não havia sinais de estouro iminente e que os preços continuariam a subir. De lá para cá, de acordo com o índice FIPE/ZAP, na média, o preço dos imóveis subiu 13,5% no Brasil.
E qual é a situação hoje? Os que acreditam que uma bolha imobiliária está prestes a estourar baseiam-se em três diagnósticos: excesso de construção, construtoras em dificuldades e preços exagerados.
Para analisar o atual ritmo de construção no Brasil, uso o nível de consumo anual per capita de cimento. Pelas minhas estimativas, ele caiu de 361 kg há um ano para 350 kg agora. Até hoje, nenhuma bolha imobiliária estourou com menos de 400 kg per capita. As dificuldades financeiras de algumas construtoras vêm da devolução de parte dos imóveis por inadimplência dos compradores – o que poderia contribuir para queda de preços –, mas também de uma subavaliação dos custos de construção no passado, fator que está sendo corrigido, contribuindo para elevação de preços agora.
Mas os preços já não estão caros demais? Comparando com o passado ou com preços de imóveis nos EUA, parece que sim. No entanto, nem os preços históricos no Brasil nem o preço atual nos EUA são bons parâmetros de comparação. Para uma comparação mais ampla, analisei preços de venda de imóveis de 90 m2 em 509 cidades em todo o mundo, incluindo os 12 maiores mercados imobiliários brasileiros. Das 12 cidades brasileiras, nove estão na metade mais cara do mundo, lideradas por Porto Alegre (35ª), Rio de Janeiro (42ª) e Florianópolis (44ª), e apenas três na metade mais barata: Campinas (319ª), Goiânia (320ª) e Fortaleza (417ª). Miami vem logo depois de Fortaleza, é a 418ª. Aliás, as 35 cidades mais baratas do mundo estão todas nos EUA e as 25 mais caras estão todas em mercados emergentes, 20 delas na Ásia.
O mercado brasileiro como um todo está, sim, caro para padrões internacionais, mas não para parâmetros de mercados emergentes. Minhas análises sugerem que aproximadamente dois terços da alta de preços antes de um eventual estouro já aconteceram. Restaria, portanto, uma alta adicional de mais ou menos metade do que os preços já subiram.
Essa é uma média nacional, que inclui mercados em que os preços ainda estão baratos e podem subir mais do que a média e outros que já subiram demais. Brasília, por exemplo, que há um ano era a cidade mais cara do Brasil, já tem visto pequenas quedas de preços. Em um mercado em que o preço não subirá mais tanto nem de forma tão generalizada, a localização e os diferenciais de cada imóvel serão muito mais importantes. E quando os preços finalmente caírem – todo preço de ativo cai um dia e não há razão para crer que com o mercado imobiliário brasileiro será diferente –, quanto devem cair?
A experiência internacional dá duas dicas. Primeiro, os preços dos imóveis que mais subirem serão os que mais cairão. Segundo, o tamanho da queda depende diretamente do volume de crédito imobiliário no momento do estouro da bolha e do crescimento percentual desse crédito desde que a expansão começou. O primeiro, por ora, sugeriria uma queda muito pequena por aqui; o segundo, uma enorme.
Seja cada vez mais criterioso em seus investimentos imobiliários, mas ainda é cedo para se desesperar com o choro das Cassandras.
Ricardo Amorim é economista, apresentador do programa “Manhattan Connection”, da Globonews, e presidente da Ricam Consultoria.